Por muito anos ouvi
estórias,
Nos meus tempos de menino,
De um negro véio,
teatinho...
Que tinha um baio ruano...
Num jeitão velho pampeano,
Chapéu negro, de copa
batida...
Melenas rubras, encardidas,
Um varejão de muitos anos.
Por muito anos ouvi
estórias,
Sem ao menos entendê-las...
Seriam apenas almas
sinuelas...
Ou de algum taura imortal?
Quem sabe alguém racional,
Que pelo tempo se vira...
Entre verdades e mentiras,
Será que alguma é real?
Meu avô sempre contava,
A estória de um tal
Lautério,
Que dizia ser um mistério...
Rondando pelas estâncias,
Por muito tempo na
infância,
Eu imaginei encontrá-lo,
Montado em seu cavalo,
Por ai, nessas distâncias.
Estórias e lendas são
comuns,
Pelos rincões de onde venho,
Nos sentimentos que
tenho...
Uma marcou minha vida:
“Era uma tarde encardida,
Chegou na estância Pyrajú,
A imagem daquele Xirú...
Que jamais seria esquecida.
Meu espanto foi enorme...
Quando rebusquei na
memória,
E lhe vi, nas velhas
estórias,
E nos causos que tanto
ouvia,
Que nem mesmo a noite
fria,
Que já bordava o
horizonte...
Deixei de ver na sua
fronte,
O que algum, por certo,
não via.
Chegou pedindo pousada,
Para aquela noite
encardida,
Quem só tem tempo e
vida...
E um poncho como coberta,
Talvez não seria hora
certa,
Para um paisano,
andarilho,
Ofuscando o único
brilho...
De uma esperança, incerta!
O capataz, um índio maula,
Negou-lhe um único pedido,
E o negro velho
entristecido,
Sem entender o desengano,
Montou em seu baio ruano,
E se largou a noite adentro,
Ruflando o poncho ao
vento,
Dando outro rumo a seu
plano.
A noite foi-se ao
silêncio...
Quebrado a uivo de cusco,
Mas se via no lusco fusco,
Vultos batendo em
retirada,
Retumbar de cascos, na
estrada,
Gemido de vento,
assombração,
Um medo rondando o galpão,
E pelos sonhos, da
criançada.
No outro dia, a madrugada,
Veio com sombra e
nevoeiro,
E já foi pegando os
campeiros,
Co’a cavalhada na
encilha...
Mas uma potranca tordilha,
Dura de doma, de bocal,
Intrigou-se no estranho
ritual,
De não ser livre, na
coxilha.
E lá num fundo de campo,
Ganhou coragem no lombo,
De pronto plantou, num
tombo,
Um maula desprevenido,
Que já perdera o sentido,
Mas ainda continuava vivo,
Enganchado por um estrivo,
Vendo seu mundo perdido!
Mas a vida tem verdades,
Que são guardadas pra
gente,
Quando um vulto saiu à
frente,
Com braços abertos em
cruz,
Como se fosse, Jesus...
Alheio a tanta maldade,
Falando com autoridade,
De quem uma ordem, conduz.
E a tordilha, num repente,
Parou de rédeas caídas...
Como quem fora, a escolhida,
Para acalmar-se da
rebeldia,
Enquanto uma mão fria...
Soltava um corpo, do
estrivo,
Mirando com olhos cativos,
Sem acreditar no que via!
E o negro véio, que ontem,
Só queria uma pousada...
Encontrara junto da
estrada,
O que a vida não espera...
Sem saber ali, quem era,
No seu viver, na sua
culpa,
Humildemente pediu
desculpas,
Por ter pousado na tapera.
Depois, de o taura
refeito...
Sem uma palavra proferida,
Sem adeus, de despedida,
Montou no baio e se fora,
Deixando entre as
vassouras,
Um rastro frio, na
coxilha...
Atentando o olhar da
tordilha,
Com suas orelhas de
tesoura.
Ninguém sabe se é verdade,
Ou se é uma lenda contada,
Mas ainda há vultos na
estrada,
Que dizem ser do
Lautério...
Para muitos ainda é um mistério,
Que rondam outras moradas,
Daquela tapera assombrada,
Com a lenda de um nego
velho!
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