quarta-feira, 2 de agosto de 2017

LENDA E VIDA DO NEGRO LAUTÉRIO!

Por muito anos ouvi estórias,
Nos meus tempos de menino,
De um negro véio, teatinho...
Que tinha um baio ruano...
Num jeitão velho pampeano,
Chapéu negro, de copa batida...
Melenas rubras, encardidas,
Um varejão de muitos anos.

Por muito anos ouvi estórias,
Sem ao menos entendê-las...
Seriam apenas almas sinuelas...
Ou de algum taura imortal?
Quem sabe alguém racional,
Que pelo tempo se vira...
Entre verdades e mentiras,
Será que alguma é real?

Meu avô sempre contava,
A estória de um tal Lautério,
Que dizia ser um mistério...
Rondando pelas estâncias,
Por muito tempo na infância,
Eu imaginei encontrá-lo,
Montado em seu cavalo,
Por ai, nessas distâncias.

Estórias e lendas são comuns,
Pelos rincões de onde venho,
Nos sentimentos que tenho...
Uma marcou minha vida:
“Era uma tarde encardida,
Chegou na estância Pyrajú,
A imagem daquele Xirú...
Que jamais seria esquecida.

Meu espanto foi enorme...
Quando rebusquei na memória,
E lhe vi, nas velhas estórias,
E nos causos que tanto ouvia,
Que nem mesmo a noite fria,
Que já bordava o horizonte...
Deixei de ver na sua fronte,
O que algum, por certo, não via.

Chegou pedindo pousada,
Para aquela noite encardida,
Quem só tem tempo e vida...
E um poncho como coberta,
Talvez não seria hora certa,
Para um paisano, andarilho,
Ofuscando o único brilho...
De uma esperança, incerta!

O capataz, um índio maula,
Negou-lhe um único pedido,
E o negro velho entristecido,
Sem entender o desengano,
Montou em seu baio ruano,
E se largou a noite adentro,
Ruflando o poncho ao vento,
Dando outro rumo a seu plano.

A noite foi-se ao silêncio...
Quebrado a uivo de cusco,
Mas se via no lusco fusco,
Vultos batendo em retirada,
Retumbar de cascos, na estrada,
Gemido de vento, assombração,
Um medo rondando o galpão,
E pelos sonhos, da criançada.

No outro dia, a madrugada,
Veio com sombra e nevoeiro,
E já foi pegando os campeiros,
Co’a cavalhada na encilha...
Mas uma potranca tordilha,
Dura de doma, de bocal,
Intrigou-se no estranho ritual,
De não ser livre, na coxilha.

E lá num fundo de campo,
Ganhou coragem no lombo,
De pronto plantou, num tombo,
Um maula desprevenido,
Que já perdera o sentido,
Mas ainda continuava vivo,
Enganchado por um estrivo,
Vendo seu mundo perdido!
  
Mas a vida tem verdades,
Que são guardadas pra gente,
Quando um vulto saiu à frente,
Com braços abertos em cruz,
Como se fosse, Jesus...
Alheio a tanta maldade,
Falando com autoridade,
De quem uma ordem, conduz.

E a tordilha, num repente,
Parou de rédeas caídas...
Como quem fora, a escolhida,
Para acalmar-se da rebeldia,
Enquanto uma mão fria...
Soltava um corpo, do estrivo,
Mirando com olhos cativos,
Sem acreditar no que via!

E o negro véio, que ontem,
Só queria uma pousada...
Encontrara junto da estrada,
O que a vida não espera...
Sem saber ali, quem era,
No seu viver, na sua culpa,
Humildemente pediu desculpas,
Por ter pousado na tapera.

Depois, de o taura refeito...
Sem uma palavra proferida,
Sem adeus, de despedida,
Montou no baio e se fora,
Deixando entre as vassouras,
Um rastro frio, na coxilha...
Atentando o olhar da tordilha,
Com suas orelhas de tesoura.

Ninguém sabe se é verdade,
Ou se é uma lenda contada,
Mas ainda há vultos na estrada,
Que dizem ser do Lautério...
Para muitos ainda é um mistério,
Que rondam outras moradas,
Daquela tapera assombrada,

Com a lenda de um nego velho!

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