quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Eu...Tapera!

Não...não deixem a morte esperando
se ela já decretou o meu fim!
Cansei de aparelhos e agulhas prolongando
uma vida que já não vive mais em mim!
Este corpo, que já foi rancho, campo e morada
Hoje pena na dor infinda tentando ter seu final.

Esses mesmos olhos, que se fecham para a vida,
...já foram cacimbas de águas claras
e avistavam um mundo tão longe,
quais janelas abertas à espera de sóis e luas,
de céu e estrelas, de tempo e sonhos.

E na sombra de um aba quinze,
quinchado de nuvens andarilhas
bombeavam os horizontes mais largos,
por campos vastos...
por sangas profundas...
por ranchos e estradas.

Corpo franzino de pernas cambotas...
...que arrastavam esporas, cutucavam potros,
...esteios fincados quando calçava o garrão,
de laço estirado pra ouvir o gemido de um pealo.

Corpo ligeiro, que no cabo da dança...
...acariciava a linda, de anca torneada e pele macia,
de olhar de sirigaita e silbidos na voz!

Corpo valente que num retrechar de peleia,
saltava do fronte, de adaga afiada, de poncho no braço,
e provocava os milicos só por gostar do alvoroço.

Mãos abençoadas, que na cevadura de um mate,
num pontear de guitarra, no lonquear de um tento,
no quebrar de queixo de um potro, no levantar dos velos,
no despontar das esquilas...
...sobressaiam a força na perícia dos dedos.

Fui de um tempo que o próprio tempo esqueceu!
...em que os Homens eram templos cercados de sonhos,
de vida e de verdades...
...e os ranchos adormeciam no silêncio das canhadas,
rodeados de esperança de uma outra realidade...
...As tropas desenhavam mapas pela geografia dos campos...
...E a canção dos tropeiros adormeciam as lonjuras.
acalentando esperas por entre rondas e pastoreios.
Ponchos negros – chapéus de copa – coscojas inquietas –
Sofrenavam as saudades pelo retrucar das esporas...
...e desafiavam às noites pelo silêncio dos bois.

Tempo saudade, para quem nele viveu!
Tempo lembrança que o próprio tempo esqueceu.
Meu tempo foi desse tempo...
...e dele nada ficou!
Meu peito era rancho, com paredes enrijecidas,
Petrificadas pelas longas noites de invernias...
...onde rebuscava os sonhos, que nunca pude trazer.

Quando busquei meu passado, o rincão onde vivi,
só encontrei as ruínas do rancho que construí...
sem vida...sem sonhos...sem verdades!
...somente uma tapera caída, com paredes mortas,
onde dançavam fantasmas errantes,
com suas carrancas de negros funerais,
valseando aos sons dos ventos, de portas e janelas.

Tinha assoalhos falquejados, paredes carcomidas,
enfeitadas por lençóis finos de teias e pó...
Um pátio de cercas caídas – rincão silente – campo deserto.
Um mundo vazio gritando na calmaria da dor.

Assim sobrevivi os meus dias, de silêncio e solidão.
Um peito vazio...
Um corpo cansado...
Dois olhos ofuscados...
...e uma lembrança sorrateira, desabando na saudade,
que veio adormecer às ruínas, que sobraram de
um corpo sem vida...
...de uma alma sem sonhos...
...de um tempo sem verdades.

Não!...não deixem a morte esperando!
...desliguem as máquinas...
...não chorem à minha ausência...
...Isto foi o que restou de mim...
...desde que o tempo tornou-me:
- Eu...Tapera!

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