Bem junto a um
capão de mato...
De braços
abertos pra vida,
Sem uma
circunscrição,
Sem uma data de
partida,
Pois quem ali
descansava...
Era alguém que nos
cuidava,
Desde o tempo da
escravidão.
Tia Negrinha,
pra gurizada;
Negra véia pra
os antigos...
Mas, hoje, ainda
me lembro,
Seu ranchinho de
leiva e taquara,
Coberto de
Santa-fé...
Uma portinha
pequena,
Um fogão feito
de barro,
Ao fundo um
catre de couro,
Com roupas
brancas, alvinhas,
E as panelas
pareciam espelhos,
Areadas à pedra
e sol...
E mais na frente
à Santinha.
Era somente uma
peça...
Não havia
quarto, nem cozinha,
Mas ela não
vivia sozinha,
Dizia com
sorriso largo:
- Quem está com a Virgem Maria,
E tem fé no Menino Jesus...
Talvez sofra pra carregar a Cruz,
Mas não morre de solidão!
Foi ela que nos
ensinou...
(Mesmo sem ler
ou escrever),
O poder de uma
oração.
Quando juntava
as mãos,
Fechada dentro
de si,
Parecia que
vinham luzes do céu,
E ela envolta em
seu véu,
Tão alvo, mais
alvo ficava,
Como se alguém lhe
falasse,
E ela só
agradecia.
Ás vezes eu me
perguntava:
- O que tinha
para agradecer?
Se aquele modo
de viver,
Tamanha era a
sua pobreza,
Mal tinha um pão
na mesa,
Mal tinha um
prato de bóia,
E os anos todos
que sofrera,
Com a maldita da
escravidão,
Mas ela dizia
que o perdão,
Era o alimento
pra alma.
Na infância eu
nunca entendi,
Só com o tempo
pude compreender,
Que existem
anjos entre nós...
Porque se isso
não for verdade,
Como é que a
gente explica,
A doçura da tia
Negrinha?
De onde ela
tirava palavras tão belas?
De onde ela
tirava aquele sorriso de luz?
E as orações que
fazia?...
Chás,
compressas, benzeduras,
Parteando filhos
alheios...
E na solicitude
dos outros,
(Até estranhos
que fossem),
Estava sempre de
prontidão;
E saia pelos
campos...
Cruzando sangas,
matos e peraus,
Contrita em suas
orações,
Para levar uma
palavra bendita,
Acalentando as
almas sofridas.
Que se perdem ao
mundo pagão.
E nos dias de
tormenta...
Que varriam
campos e matos,
Com raios
rasgando o céu,
Derrubando casas
inteiras,
E a dela tão
pobrezinha,
Parece até que
se embalava,
Mas nas orações
da Tia Negrinha,
Ali a tormenta
não vinha,
E ela, na sua
fé, sozinha,
Entre cruzes de
sal, abençoava.
Um dia tia
Negrinha foi embora;
E eu não estava
aqui para vê-la,
Mas, se quem
morre vira estrela,
Sei que é ela
que me ilumina,
E até hoje ainda
me ensina...
As lições que eu
não entendia,
Todos nós vamos
partir um dia,
Sem um Adeus de
despedida,
Deixando uma
cruz solitária,
Com a data fria
da partida.
Só, hoje, eu pude
entender,
A velha cruz sem
data...
Se a lápide fria
retrata,
O tempo que aqui
passamos,
É porque somos
simples humanos,
E o humano nasce
e morre;
Tia Negrinha era
diferente,
Na forma mais
terna de um ser,
Pra que possamos
compreender,
Que a vida não é
só riqueza,
E num ser, há
mais que beleza,
Há coisas que os
olhos não veem!
Tia Negrinha era
diferente,
Só, hoje, eu
pude entender,
Era um anjo
junto da gente,
E anjo...anjo
não pode morrer!
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