quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Pra quem tem alma e coração!

Somos fruto da mesma semente,
Germinando em terra forte…
Uns já nascem com a sorte,
Outros ganham ali na frente,
Talvez seja o grande presente,
Que não se leva na partida…
Essa herança pré concebida,
De amar, de amor e de razão,
De quem se eleva no perdão,
Todos os sentidos da vida.

Ninguém é melhor que ninguém,
E isso é um conceito Divino…
Nem nasce grosso ou fino…
E todos sabem porque vêem,
E trazem consigo, também…
Os seus anjinhos protetores,
São cuidadosos, zeladores,
Da gente, enquanto criança,
Dando-nos a fé e a esperança,
Para aprendermos, valores.

Depois, seguimos os passos,
Sempre levados pela mão…
Guardando amor no coração,
Acolhendo em cada abraço,
Conhecendo o tenro espaço,
Entre a mentira e a verdade,
Entre o carinho e a dignidade,
O valor de uma palavra dita…
E essa esperança bendita,
Nos desígnios da igualdade.

Aprendemos, desde cedo,
(Pelo menos seria o correto)
Que ninguém é tão analfabeto,
Embora com os seus medos…
Que não tenha algum segredo,
Em que possa nos ensinar…
E conjugue o verbo amar,
Na sua forma mais singela,
Por saber que a vida é bela,
Pra quem sabe compartilhar.

Nesta caminhada terrena…
Chegamos aqui sem nada,
Uma leve alma replantada,
Numa matéria ainda pequena,
Teatro que a vida encena…
Livro em branco sendo escrito,
Arte de um quadro bonito…
Que com o tempo aperfeiçoa,
Quando o valor da pessoa…
Não se perde ao mundo proscrito.

Todos somos regados à luz,
Luz de um amor tão intenso,
Julgados na fé e o bom censo…
Do amor que a todos conduz,
Sementeiro na mão de Jesus,
Batizados na mesma unção…
Pela força imposta às mãos,
Num passe que a vida requer,
Para nos mantermos em pé…
Na esperança que vem da oração.

Crescemos pra sermos caminho,
Estrada pr'outros virem atrás…
Sempre em busca da paz…
Quem não sabe viver sozinho,
Em cada abraço de carinho...
Em cada mão estendida…
Em cada palavra proferida,
Como bálsamos curando a dor,
Orvalha-se em chuvas de amor,
Esperança de uma nova vida.

Que nunca morra a verdade,
Nem as palavras de Deus…
Que encontre junto dos teus,
Os sentimentos de lealdade…
Pois nascemos sem maldade,
Sem preconceito, xenofobia...
Sem racismo, sem a mania,
Dessa grandeza irracional…
Que na vida só nos faz mal,
E estraga o ser a cada dia.

Que o teu amor seja o elo…
Desta corrente fraterna,
Sabendo que a vida é eterna,
Haverá tempo de dor e flagelo,
Mas o mundo continuará belo,
Para que tem alma para ver…
E por certo que vais conhecer,
Um céu - um limbo - as trevas,
Pois daqui de nada se leva…
No dia em que o corpo morrer!

Nos olhos dos iguais!

 

Não...não entendo num tempo novo,
No meio de tanto progresso...
Alguns ainda vivam o retrocesso,
Banalizando a dor das feridas...
De um Povo que perdeu a vida,
Que morreu para tantos viver...
Massacrados nas injurias do poder,
De ser uma raça menosprezada...
Morrendo pelos fios das calçadas,
Diante dos olhos que não querem ver.

Povo humilde... Povo pobre...
Que ergueu essa pátria nas guerras,
Que fez e se refez sobre esta terra...
Que nem era sua e, ainda não é...
Mas sem nunca perder a fé...
Crentes de Oxós e dos Orixás...
Só querem seu tempo de paz,
Paz de um tempo sem dor...
Onde olhos enxerguem uma só cor,
A cor do mundo dos iguais.

Talvez tu nunca entendas...
Por nunca ter sentido essa dor,
Por nunca ter sentido o calor...
... das chibatas e das correntes,
A dor que sangrava na gente,
A dor que sufocavam as falas...
Cortados pelo aço das balas...
Dor de ser escravo, de ser negro,
Dor que se consumia, nos medos,
Da morte que rondava a senzala. 

O que tu entendes de escravidão...
...se tu nunca sentiu essas dores?
...se teu mundo é de luzes e cores...
Enquanto ao meu é negro de escuridão,
Mundo de dor e de resignação...
Ter que vencer nesta vida, sozinho,
Sem paz, sem sonhos, sem carinho,
Vivendo ali, à beira da fome...
Comendo os restos que outros comem,
Na injuria brutal das correntes...
Como tantos infelizes, da minha gente,
Escravos sem vidas e sem nomes!

Fui aprisionado a um triste destino,
Só por ter a minha cor diferente,
Como se negro, não fosse gente,
Como se a pele não tivesse valor,
Só por não sermos da mesma cor,
Carrego as chagas de brutas maneias,
Mas tenho um sangue a pulsar nas veias,
Que é tão vermelho quanto o ao teu, senhor!

Não...não queiram sentir a dor...
...dor do preconceito e da ingratidão,
De um negro que ergueu essa nação,
Pegou em armas e defendeu esta terra,
Só querendo a liberdade do pós guerra,
Promessa quem nunca foi cumprida...
Pelos matos foram perdendo a vida,
Pelas cidade foram subindo morros,
Sem ouvirem seus gritos de socorro,
Pelos guetos ou favelas escondidas!

Hoje é fácil bradar contra um povo...
Quem a vida toda viveu na exclusão,
Sem direitos a um pedaço de chão...
Enquanto tantos ganharam de graça,
Com seus bustos expostos nas praças,
Como heróis de um povo sem memória,
Que só dá, aos comandantes, a gloria...
Que só ergue bandeira aos fortes...
Esquecendo que nas fileiras da morte,
Foram os negros que fizeram essa história!

Um dia talvez, tudo acabe...
Um dia talvez tudo termine,
E quem sabe ao filho tu ensine,
Que somos filhos do mesmo Deus,
E que eu possa olhar para o meus...
Na liberdade que tanto buscamos,
Nas pessoas que tanto amamos...
Que se perderam ao mundo sem sorte,
Ou que chorando buscaram a morte...
Pedindo à vida, um rito final...
Se livrando de todo o mal...
Da injuria triste dos preconceitos,
Que tiraram dos negros o direito,
De apenas querer, ser igual!


PRA QUEM SABE ONDE CHEGAR!

 

Sim...um dia eu pensei em desistir!
Pensei que não valia a pena lutar,
Que a vida é sonhos sem caminhar,
Mas poucos conseguem construir!

Sim...um dia eu pensei em desistir!
Porque os fracos desistem no caminho,
Não se sustentam na longa caminhada,
E buscam sombras para chorar sozinho!

Sim... um dia eu pensei em desistir!
Desistir da vida, dos sonhos, da caminhada,
Quanto mais eu me via na estrada,
Mais sozinho eu estava comigo...
Só espaço, sem abraço, sem abrigo,
Sem força, sem fé, nem esperança,
E via que são longas as distâncias...
Solito sem a força de um amigo.

E no passar do tempo, tive sonhos,
Tive outros caminhos e a mesma vida...
Vi muitos "adeus" de despedida...
Mas desistir agora, se fui escolhido?
Não vivo esquecido, não vivo perdido,
E em cada passo que dou, que busco,
Encontro pelos caminhos ofuscos...
A força de um abraço pretendido.

Todos nós sabemos o nosso final...
E queremos uma longa caminhada!
Somos andadores dessas estradas,
Vagando pelas veredas do destino,
Muitos são errantes, peregrinos,
Perdidos na imensidão de si mesmo,
Vagando na angustia do a esmo,
Frágeis e solitários “umbraldinos”.
Sim...um dia eu pensei em desistir!
Como desistem o pródigos ateus...
Pobres ínfimos incrédulo de Deus,
Que não sabem o caminho a seguir,
Que não conhece o valor de um sorrir,
Embriagados no mal que os seguem,
Onda a vida de valores reneguem,
Sem saber do que ainda há por vir!

Encontrei por estradas tão estreitas,
As pedras que outros deixaram...
E sem força novamente retornaram,
Pelo frágil preceito de andador...
Não me deixou ser escravo da dor...
E pelo mundo me fiz um andante,
Com a certeza que faz jus ao amantes,
Vale a pena caminhar em busca do amor.

Somos todos peregrinos deste mundo,
Andantes por estradas e caminhos...
E todo aquele que, andas, sozinho,
Viajor de um mundo de solidão,
Onde o tempo, ceifará sem perdão,
Co’as forças que fazem seguir em pé,
Morrerão sucumbidos e sem fé...
Inerte pelas clausuras da solidão!
Por isso nunca faça igual à mim,
Que um dia já pensou em desistir,
Pois sempre haverá luz no porvir,
Embora a noite, traga a escuridão,
O tempo, o único dono da razão,
Da certeza que chegarás até o fim...
Quem sabe queiras andar junto à mim,
Na fé que dá-me força ao coração!
Não...eu nunca mais vou desistir!
Já vi que será longa a caminhada,
E vamos todos, andar de mãos dadas,
Abraçados nos mesmo sentimento,
Não importam as agruras dos momentos,
Não importam as dores que trago,
Não importa se o caminhos são largos,
O que importa é o que guardo aqui dentro.

E aqui, há um espaço, muito grande,
Onde há sonhos, vida e esperança...
Que pouco importam as distâncias,
Os caminhos que tiverem a seguir...
Se um dia eu pensei em desistir...
Talvez seja por ter chegado ao fim,
Não...por favor, não desista de mim!
Que eu nunca...eu nunca desistirei de ti!




Por onde andas, meu filho?

Os dias andam mais tristes,
nesse frio mês de agosto...
A saudade, rondando o rancho,
e uma ânsia matraqueira...
Às vezes, brotam goteiras,
pelas rugas do meu rosto.

Nas tardes de aguaceiro,
quando o inverno nubla o pasto,
e as lidas com cordas e bastos,
se escasseiam pra o campeiro,
Eu me vejo rodando portas...
lavando a erva dos mates,
para disfarçar as saudades,
de um coração caborteiro.

Talvez sejam coisas da idade!
Talvez sejam dores que trago!
porque a brutalidade da lida,
foi me mostrando uma outra vida,
um outro sentido pros fatos...
E eu, que nunca fraquejei...
me vejo, hoje, sem chão...
sentindo as dores dum coração,
molhando o frio dos retratos.

Por onde andas, meu filho?
nesse mundo tão sem amor,
será no frio de algum corredor...
levando as tropas sonhadas?
Sei que os filhos são do mundo,
um dia, também, deixei os Pais,
mas não pensei que doesse demais,
essas lembranças guardadas?

O teu peticinho sogueiro...
que encontrou a liberdade,
passa costeando o potreiro,
até parece sentir saudade...
E o guachinho brincalhão...
que tu mesmo deste o nome,
hoje, ainda berra de fome...
não quer comer noutras mãos.

Se os bichos sentem falta...
imagina este teu velho amigo?
quando brincava contigo...
Piazinho, chorando no colo,
tu gineteava minha perna,
olhos ariscos, arregalados,
mas de garrão bem calçado...
olhando firme pra o solo.

E depois as brincadeiras,
a tropeadas de brinquedo,
os atropelos, sem medos,
numa piticinha troteadeira,
cortamos campos e canhadas,
no rasto de bois ventenas...
e foi se tornando torena...
pelas canchas de carreiras.

O tempo passa, meu filho!
mas pro Pai tu nunca cresce,
a tua Mãe se pega em prece,
a tua avó chora escondida...
e teu velho, se faz de forte,
e até reclama com as duas,
sentindo o golpe das puas...
numa carcaça, ferida!

Os filhos quando criam asas,
alçam voos do seu destino...
buscam sonhos peregrinos,
por mundos desconhecidos,
e os Pais sufocam as dores,
no fundo de algum posto...
trazendo chuvas nos rostos,
chorando a dor, escondido.

Os teus bastos no cavalete,
o par de esporas que te dei,
os traste que já guardei...
pois sei que o tempo é outro,
Os filhos quando aplumam,
buscando primaveras floridas,
não nasceram pra esta vida,
de quebrar queixo de potro.

O tempo cobra o seu preço,
E, às vezes, não se pode pagar,
trazendo chuvas para o olhar,
deixando olhos sem brilho...
e quebra uma vidraça antiga,
que parecia, ser tão forte...
nas apunhalada de um corte,
de saudades, do meu filho!

Só peço à Deus, em prosa,
nestas horas de solidão...
entre as parede dum galpão,
mesmo não sabendo rezar,
mas sei que Deus me entende,
pois Ele é o Pai da bondade,
e essas lágrimas de saudade,
um Pai tem direito, à chorar!


Meu Jeito!

Se é esta boina basca...
Ou é a bombacha Pampeana,
Se é minha alma aragana,
Que pulsa dentro do peito,
Se é este o meu defeito,
De andar sempre pilchado...
Com um lencito esparramado,
Sobre a gola da camisa,
Se é por não conhecer divisa,
Então, qu´eu seja condenado!

Se esta guaiaca que uso...
Não tem ouro e nem prata,
E um simples par de alpargatas
Com cinzas d’algum galpão,
Se a verdadeira tradição,
Tem regras pra sobrevivência,
Então, eu tenho a consciência,
Que a coisa está indo mal!...
Me desculpe, “os maioral”,
Mas não me apego as conveniências.

É muito bom, fazer leis...
E ditar regras pra esta gente!
Desfazer do que é presente,
Gritar as glórias do passado,
E lá num gabinete, encostado...
Na sombra de um movimento,
Que só mantém o sustento,
Graças às migalhas do povo...
Que não se importam com o novo,
Pois vivem do sentimento.

Pois um gaúcho não se mede,
Por aquilo que ele usa...
Conheço gente que abusa,
Fazendo do cargo, um poder,
Muitas vezes, sem conhecer,
Os sentimentos verdadeiros...
Parece um cabide campeiro,
Cheio de trastes e utensílios,
A própria vergonha dos filhos,
Mas com pose de estancieiro.

Me perdoem, meus Patrícios!
Se o meu pensar é diferente...
Mas não é a pilcha da gente,
Nem a estampa, nem as cores,
Me perdoem, meus Senhores!
O que vou falar de uma vez,
Eu não nasci, pra ser rês,
E nem tão pouco usar canga...
Mas até pelado, numa sanga,
Sou mais gaúcho que vocês.

Porque aqui, aonde eu vivo...
E lutamos para ser liberto...
O único movimento certo,
Que, hoje, é quase uma graça,
É ver tanta gente na praça,
Fazendo tudo ao contrário...
Vergonha do chão caudatário,
Alheio às leis, que eu falo,
Dos que só conhecem cavalo,
Nas folhas dos calendários.

Se um dia alguém escreveu,
Regrando a própria pesquisa,
Mas pra’o Gaúcho não há divisa,
Não há cerca, nem fronteira,
Não é o pano dessa bandeira,
Que tremula em mastro de ouro,
Aonde a empáfia faz coro...
E a pilcha virou concurso,
Só para manter o discurso,
Dos que rebuscam seus “louros”.

Dizem que é castelhana,
Esta bombacha que uso...
Mas, ninguém vê o abuso,
Dos que andam bem pilchados,
Desfilando de chapéu tapeado,
Como os donos da verdade...
Só pra manter uma identidade,
Timbrada à grito e grossura,
Como se educação e cultura,
Não coubessem em sociedade.

Pois o tempo do coronelado,
Da imposição e do poder...
Do mandar sem conhecer,
São coisas do passado,
Que um dia foi enterrado,
A sete palmos, neste chão...
Pois, hoje, não há razão,
Pra ditar normas e regras,
De uma cultura que é cega,
E valoriza só quem é Patrão.

O velho vestido de chita...
Que era tão lindo nas prendas,
A flor de laranjeira, as rendas,
Foram trocados por veludo,
Talvez para avalizar estudos,
D’alguma pesquisa fajuta...
Dos que se vangloriam das lutas,
Sem conhecer a verdade,
Regrando a própria sociedade,
No interesse que desfruta.

Quando um cargo vira emprego,
Dos que tem gana de aparecer,
E a valorização de um ser,
Está naquilo que se usa...
Quando o interesse se cruza,
Com a arrogância e a maldade,
As regras escondem verdades,
Que chega, até, ser abuso,
Onde um Negro era escuso,
De viver em sociedade.

Pois a tradição está na alma,
É parte da vida da gente...
Está no amor que se sente,
Fincado dentro do peito,
Está no errado, no direito,
No que pensa e não nega...
Está no campo, na macega,
No sentimento e na arte,
Tradição está em toda parte,
Só nunca...nunca aceitará regra!

A última taça de vinho!

O silêncio é um tirano que grita nas madrugadas,
Vem da adaga empunhada dando pontaços da solidão,
Senhor da escuridão, enche meus olhos d'água…
Vêm provocando a mágoa que acampou num coração!

O vento geme lá fora, vestindo a pele dos lobos…
Brincando neste jogo, que quem não joga é covarde,
Pra muitos parece tarde, pra vida é só um recomeço,
O que muda é o endereço, mas o resto é só saudade!

Porque tu gritas comigo, provocando os meus medos?
Porque escondes segredos, se o segredos não calam?
Porque eu ouço estas falas que pela noite se solta…
Não há ninguém na volta, somente um cuco na sala!

Há um badalo de sino blimblinando nos pensamentos…
E a chuva traz lamentos em gotas de olhos vazios,
Todo mundo já dormiu (ou quase todos que queira),
Somente um grilo porqueira, que ainda tilinta de frio!

E vai jogando a sua ira numa Rebeca desafinada,
Com cordas mal espichadas e seu mau jeito de tocador…
Quem sabe sofras de amor, fugindo dos pensamentos…
Com esse toque nojento, somente pra espantar a dor!

Me diz aí, senhor silêncio, porque tu gritas comigo?
Talvez só esteja contigo, por conta daquela cena…
Em que minh'alma pequena, se encantou por quem não devia,
E, hoje, sofre, vazia, nos rabiscados de uma pena!

A noite bebe a angústia, que a madrugada lhe serve…
Que o tempo me reserve, por certo o que mereço,
Pois tudo tem um recomeço e recomeçar é preciso…
Meu mundo é meu paraíso e o resto é apenas adereço!

Apagou-se o fogo e as brasas, por me ver aqui sozinho…
E mais uma garrafa de vinho, tilinta numa gota rasa…
Só este silêncio faz casa, em cada palavra escrita…
Pois quando a alma medita, a poesia ganha asas!

Deixo uma parte de mim, bailando por entre linhas,
Dançando uma valsa, sozinha, cada letra com seu par…
Quem sabe quando acordar desse maléfico pesadelo…
Silêncio, eu posso tê-lo, sem contigo, me estranhar!

Por isso deixa-me dormir, que amanhã é outro domingo,
Não quero mais os respingos, de insônias e nostalgias…
Leva embora essa agonia, esses pensamentos gritantes,
Esse corpo cambaleante, co'a última taça, vazia!


Doa-se!

Doa-se uma parte de mim,
Ou todas, se alguém quiser,
O pulmão, o fígado, os rins,
Ou outra parte qualquer!

Doo os olhos, quem sabe,
Os dedos, os pés, as mãos...
Ou tudo que lhes cabe...
Ou que sirva pra ocasião.

Depois que eu me for...
Não tem nada que eu faça,
Tudo perderá o valor...
Será comido das traças.

A alma levarei comigo,
A história ficará aqui...
Perderei todos os amigos,
Os que ainda não perdi.

Doa-se um corpo fraco,
Já vencido pela idade...
Judiado, está um caco,
Desapegado das vaidades.

Hoje só peço perdão...
Diante aos tocos de vela,
Só não doo o coração...
Pois esse já doei a ela.

E essa virgula, destaco,
Pra quem se acha sortudo,
No peito só há um buraco,
Arrancou com carne e tudo!

Se eu morrer antes de ti!

Se eu morrer ante de ti, não reclame,
Apenas chore, se tu achares por bem…
Finja para os outros, minta que me ama,
E esqueça tudo o que não lhe convêm!

Vista-se de preto para fingir o luto…
Derrama umas lágrimas, embora em vão,
Não fales de mim, que eu ainda escuto…
E quem sabe, até, me levante do caixão.

Se eu morrer ante de ti, não se exalte,
Nem fique sorrindo, não é de bom tom,
Ponha um preto na cor do esmalte…
E quem sabe um roxo na cor do batom.

Assim, quem sabe, acreditem na tua dor,
A viúva, donzela, tão solitária e infeliz…
Finja para eles que era puro teu amor…
E recorde os momentos que fostes feliz!

Se eu morrer antes de ti, não esqueça,
Que doei a minha vida quase toda pra ti,
Ainda lembro das falsas dores de cabeça,
E todas as brincadeiras para vê-la sorrir.

As vezes que briguei com o mundo em vão,
Para defender os teus tantos devaneios,
Com todas amantes da tua imaginação…
E as vezes, em que a menstruação não veio.

Se eu morrer antes de ti, deixe-me ir…
Ao frio do corpo que busca um começo,
Quem sabe noutro plano possa conseguir,
Um pouco de vida, a paz que eu mereço.

Na Sombra do Jacarandá!

 

Ali eu fiz o meu mundo,
No meu tempo de criança,
Foi parte de uma infância,
De sonhos e de saudades,
Nas longas e ternas tardes,
Num tempo de relicários,
Fiz meu mundo imaginário,
Com gosto de felicidade!

As suas flores coloridas,
Que cobriam todo o chão,
Era um mundo de ilusão...
Enfeitando os brinquedos,
Onde deixava os medos,
Embalado nos teus galhos,
Sentindo as gotas do orvalho,
Te confessando segredos.

Ah! Se Jacarandá falasse,
Quantas coisas tu dirias...
De mim, quase tudo, sabia,
E o que não sabia, imaginava,
Quando sorrindo, abraçava...
As crianças que brincavam,
Que corriam, que gritavam,
E que só eu e tu escutava.

E as brigas por brinquedo,
Pela boneca mais bonita,
Pelos vestidos de chita...
Das bonecas preferidas,
Das casinhas escondidas,
Atrás do mundo encantado,
Das mocinhas e soldados,
Dos encantos dessa vida!

Que pena que tudo passa,
E a gente cresce, Jacarandá.
E o tempo que ficou lá...
Nas brincadeiras e abraços,
Naquele pequeno espaço,
Sob teus braços, meu amigo,
Ainda guardo comigo...
Sem mesmo saber o que faço.

Lembro de uma tarde quieta,
Que vi minha Mãe, espiando,
E me pegou ali conversando,
Com quem ela nunca via...
Pois somente eu que podia...
Quando estavas ali contigo,
Como eram tantos os amigos,
Que a infância me permitia!

Depois, que o tempo se foi...
E os amigos foram também,
Nem brinquedos mais se tem,
Nem bonecas, nem soldados,
Nem os sonhos encantados...
Das crianças em algazarras...
Os trens de lata – as cigarras –
Do pátio do meu passado.

Daquele balanço antigo...
Que por horas me embalava,
E por instantes, eu voava...
No céu dos teus abraços,
Tendo o mundo nos braços,
Com as asas da liberdade...
Enfeitando a longas tardes,
Pelos caminhos que faço!

Hoje, eu te vejo ao longe...
Pelas lembranças antigas,
Por certo, ainda, tu sigas,
Embalando outras crianças,
Encantando outras infâncias,
Que não sinto, que não vejo,
Alimentando outros desejos,
Talvez de suma importância.

Mas nem tudo é sonho...
O mundo que a gente traz,
E aquele tempo de paz...
De crianças e de brinquedos,
De pátio grande, arvoredo,
Deram espaço às grades...
Onde os olhos da maldade,
Encerra tudo mais cedo!

Ficou um Jacarandá triste,
Erguido junto à avenida...
Com as folhas retoricadas,
De galhos secos e sem flor...
Longe dos olhos do amor,
Sem um olhar de esperança,
Sem boneca e sem criança,
Até o Jacarandá morre de dor!

quarta-feira, 31 de maio de 2023

QUANDO O SONO SE CANSOU DE MIM!

 

Noite encardida, 
madrugada grande, 
frio de inverno...
O silencio castiga com seus olhos de saudade
E as lembranças chicoteiam o pensamento 
pelas horas infindas, carcomidas do tempo.

La fora o vento soluça...
Aqui dentro o silencio castiga.

O negrume da noite, 
vestida em seu luto funeral, 
traz os fantasmas do tempo 
e as horas padecem num relógio desacordado.

Meu corpo judiado, 
sofre as dores do punhal dos anos...
E os ossos estalam num catre proscrito
adonde campeio o meu sono.

Por vezes um grilo afina sua rebeca, 
com cordas de arame, 
mas o silencio proclama o seu toque final.
Almas se encontram para prosear em silencio, 
mas falando de mim...
Pensamentos vagueiam numa viagem sem tempo 
e encontra a saudade vestida de um lume cideral...
Imagens desenham, as ideias mais tolas, para enfeitar as retinas...
Olhos atentos...
negrume de noite...
o sono se foi!

Nas paredes bordadas, 
pela tinta polida que a noite pintou, 
uma restea de lua alumia o vazio...
Um bocejo do vento balança as casuarinas 
com folhas e galhos... 
grama e capim... 
plumas e palmas...
e uma coruja reclama a ausência de vida,
pra uma prosa afinal.

O campo dorme...
...as almas do campo dormem...
fundo de estância longe dos meus,
procuro sono que se cansou de mim, 
acordou e partiu!

Na metamorfose da vida, 
que transforma sonho em saudade, 
o sono é mais um andarilho buscando um tempo pra si...
e na solidão dos meus dias, 
me deixa perdido nas lembranças 
e vai se encontrar nas paragens de almas andantes, 
de estradas antigas, 
de poemas escritos nos pergaminhos das noites, 
de versos ditos por ventos errantes, 
por sangas e corredeiras 
que cantam seu canto nalgum fundo de mim.

Pois assim somos nós,
 andarilhos do tempo, 
caminhantes da vida, 
sonhadores do mundo 
que adormecem aos poucos 
para casear a poesia.
Noite esquisita...
madrugada grande...
acordam as barras do dia.

Aos poucos a vida grita ao silencio 
e cutuca as horas para começar tudo novamente.

O grilo emudece...
a coruja adormece...
o vento reclama...
o sono retorna...
mas os punhais da idade
 me picaneia o lombo 
e já me bota de pé 
para uma cevadura de mate.

Fundo de campo...
a lida começa para almas viventes.

É!... 
Hoje o sono se cansou de mim 
...e não quis voltar!

Com que direito!

 

Com que direito...
Tu me condenas?
Tu me critica?
Se tua boca fede,
Se teu hálito fede,
Com palavras proferidas.
Do teu cérebro sujo...
Lama imunda que inunda
A liberdade das letras.

Com que direito...
Escarra tua ira nojenta,
Através de verbos e sujeitos,
Predicados e advérbios...
Metáforas desfeitas na
Ilusão das frases...
Sujeito inculto...
Inculto e curto...
Curto e em surto...
Maledicência pessoal,
Imoral, irracional e tal!

Com que direito...
Sujeito sem jeito...
Já viu teus defeitos?
O teu preconceito?
Mente nefasta...
Mentira já gasta,
Do posto à pasta,
Pra mim já basta!

Tranquilo me deito,
No calor do meu leito,
Onde ganho respeito...
O que é meu por direito,
Carrego no peito...
Sou verbo à preceito,
E tu é apenas um “rejeito” ...
Com que direito, sujeito?

Extraviei o verso pra ela!

 


Já extraviei algum verso,
Na sesmaria dos campos,
No lume dos pirilampos...
Que se vestiam de estrelas,
Dessas que são sinuelas,
Para os tauras madrugueiros,
Vivendo o mundo campeiro...
Na prosa das pontessuelas.
Também já extraviei verso,
Quando um bocudo s’emborca,
“e torce o rabo da porca”...
Num socadão de rodeio,
Já salta vendendo arreio,
Com sofrenaços e berros,
Sentindo o golpe dos ferros,
Benzido a cabo de reio.
Não tive a benção divina,
Nem a pretensão de tantos,
Faço meu mundo no campo,
Por essas madrugadas frias,
Repontando a rebeldia...
De ventenas e culmilhudos,
Por certo não tive estudo...
Mas me encanto co’a poesia.
Um dia desses “cebrunos”,
Que a gente anda disperso,
Tenteei a fazer uns versos,
Desses que falam de amor,
Para entregar a uma flor...
A mais linda desse rincão,
Que mora, depois do lagoão,
Bem na volta do corredor.
Rascunhei de todo agrado,
Botando as letras na forma...
Sem conceito e sem norma,
No silêncio do meu galpão...
Judiando o calo das mãos,
Aos poucos foi se ajeitando,
E um versito, “acuierando”
Com as rimas do coração.
Depois do verso pronto...
Dobrado, assim, à preceito,
Larguei ele junto ao peito...
Num Paiñuelo maragato,
Vesti uma pilcha, pra retrato,
Encilhei um picaço patas brancas,
Desses de graxa na anca...
Um regalo de Dom Mulato.
Peguei o corredor da frente,
Assobiando uma coplita mansa,
E o picaço, uma balança...
Mordendo as campas do freio,
Cantarolando, aos arreios...
E duas chilenas de prata,
Que iam fazendo serenatas,
De versos, quebrado ao meio.
O sol ia dando as caras...
Bem de trás de um coxilhão,
E o picaço, ainda redomão,
Não vinha gostando da cantilena,
Mas a saudade da morena...
Pra entregar os versos pra ela,
Repontava-me ao rancho dela,
Na mais terrunha, das cenas.
Fui tentear cruzar o passo,
Mas o picaço refugou...
E de pronto já se armou,
Arcou o lombo pra uma tora,
Mas um taura não se apavora,
Embora seja curto o espaço,
Quem tem um mango no braço,
E o aço forte da espora.
Meti os encontros do maula,
Levando tudo de arrasto...
Com água na aba do basto,
E a força da natureza...
Meu mundo de incerteza,
Era mais que um desafio...
Quando o verso caiu no rio,
E se sumiu na correnteza.
É triste a vida de um taura,
Que sabe pouco das letras,
Nem ao tranco se endireita,
Co’s sentimentos guardados,
Que vivem aquerenciados...
Entre o rancho e a cancela,
Mas guardei o verso pra ela,
Num coração, mal domado.
Talvez um dia lhe entregue,
Numa noite de lua branca...
Sentado junto à barranca,
Bem ali ao cruzar, o passo,
Em que juntarei os pedaços,
Num romance caminhador,
Quando te jurarei amor...
Na anca do meu Picaço.

Pra quem tem alma e coração!

 


Somos fruto da mesma semente,
Germinando em terra forte…
Uns já nascem com a sorte,
Outros ganham ali na frente,
Talvez seja o grande presente,
Que não se leva na partida…
Essa herança pré concebida,
De amar, de amor e de razão,
De quem se eleva no perdão,
Todos os sentidos da vida.
Ninguém é melhor que ninguém,
E isso é um conceito Divino…
Nem nasce grosso ou fino…
E todos sabem porque vêem,
E trazem consigo, também…
Os seus anjinhos protetores,
São cuidadosos, zeladores,
Da gente, enquanto criança,
Dando-nos a fé e a esperança,
Para aprendermos, valores.
Depois, seguimos os passos,
Sempre levados pela mão…
Guardando amor no coração,
Acolhendo em cada abraço,
Conhecendo o tenro espaço,
Entre a mentira e a verdade,
Entre o carinho e a dignidade,
O valor de uma palavra dita…
E essa esperança bendita,
Nos desígnios da igualdade.
Aprendemos, desde cedo,
(Pelo menos seria o correto)
Que ninguém é tão analfabeto,
Embora com os seus medos…
Que não tenha algum segredo,
Em que possa nos ensinar…
E conjugue o verbo amar,
Na sua forma mais singela,
Por saber que a vida é bela,
Pra quem sabe compartilhar.
Nesta caminhada terrena…
Chegamos aqui sem nada,
Uma leve alma replantada,
Numa matéria ainda pequena,
Teatro que a vida encena…
Livro em branco sendo escrito,
Arte de um quadro bonito…
Que com o tempo aperfeiçoa,
Quando o valor da pessoa…
Não se perde ao mundo proscrito.
Todos somos regados à luz,
Luz de um amor tão intenso,
Julgados na fé e o bom censo…
Do amor que a todos conduz,
Sementeiro na mão de Jesus,
Batizados na mesma unção…
Pela força imposta às mãos,
Num passe que a vida requer,
Para nos mantermos em pé…
Na esperança que vem da oração.
Crescemos pra sermos caminho,
Estrada pr'outros virem atrás…
Sempre em busca da paz…
Quem não sabe viver sozinho,
Em cada abraço de carinho...
Em cada mão estendida…
Em cada palavra proferida,
Como bálsamos curando a dor,
Orvalha-se em chuvas de amor,
Esperança de uma nova vida.
Que nunca morra a verdade,
Nem as palavras de Deus…
Que encontre junto dos teus,
Os sentimentos de lealdade…
Pois nascemos sem maldade,
Sem preconceito, xenofobia...
Sem racismo, sem a mania,
Dessa grandeza irracional…
Que na vida só nos faz mal,
E estraga o ser a cada dia.
Que o teu amor seja o elo…
Desta corrente fraterna,
Sabendo que a vida é eterna,
Haverá tempo de dor e flagelo,
Mas o mundo continuará belo,
Para que tem alma para ver…
E por certo que vais conhecer,
Um céu - um limbo - as trevas,
Pois daqui de nada se leva…
No dia em que o corpo morrer.

Lá no quinto distrito!

 

A vida oferta o mundo...
para quem nasceu andarilho!

A casinha de tábuas velhas,
encostada à mangueira de pedra,
ali, de frente para o corredor;
O açude e o poço de balde...
o galpão de santa-fé, caído,
a ramada de folhas secas...
tudo isso foi parte da minha infância!

Meu Pai, chegando ao tranquito,
o lobuno suado, o olhar cansado,
e uma junta de bois mansos...
ao rangindo da cantadeira;
Mais uma semana na estrada,
levando quitanda ao povo,
quem sabe volte de novo,
felizes da sua chegada!

Assim foi por muito tempo,
no velho rincão quintiano,
a algazarra da gurizada,
que chegavam na escolinha;
As carreiras de piás arteiros,
as “luitas” e jogos de bola...
As histórias mal contadas,
por quem não ia estudar!

Dizem que d'outro lado da sanga,
no ranchinho da tia Negra...
uma das “guria” enlouqueceu,
que anda por aí pelos matos,
vivendo que nem cuatiara...
se alguém ver, que dispara,
e se esconde nas bibocas.
A seca grande que ronda o pasto,
a água escassa pra os bichos...
as ressolanas de janeiro,
anda atormentando os gringos.

Perderam a roça de feijão...
o milho não dá nem pro gasto,
o gado não tem mais pasto...
e está feia a situação!

Só tem água na cacimba...
e um pouco na Sanga da Joana,
se não chover essa semana,
não sei o que vai ser dessa gente,
mas a esperança não falha...
As orações da tia Daia, da tia Negra,
do velho João, da dona Margarida,
do Miguelão, sei que a fé se remoça,
e logo virão as poças...e vida nova no rincão!

Dizem que vai ter carreirada,
no bolicho do compadre Chico,
parece quem vem os milicos...
o intendente e um delegado,
por que da última algazarra,
meteram banca, fizeram farra,
talvez até por desacato...
coisas que não se explica,
deram um balaço na tia Julica,
e furou o bico do sapato!

Como eu fui feliz nesse lugar!
Hoje quando me lembro...
o rincão que minha alma habita,
me vem imagens e são tantas...
enxovalhando duas poças d’água,
cacimbas que jamais secam...
orvalhadas pelos serenos...
das noites junto à casa velha!

A vida nos oferta um mundo,
para quem nasceu andarilho!
Mas a felicidade se distancia,
cada vez que caseamos panos,
(tecidos de uma era antiga)...
onde plantamos nossos sonhos,
vergados em terra fértil...
que não se esquece, jamais!

Tudo o que ganhei do mundo;
Tudo que conquistei na vida...
por certo tem o seu valor,
mas jamais se compara ao amor,
- Amor da terra da gente;
- Amor que se faz presente,
em cada verso bonito...
desses que já vem escrito,
nos pergaminhos de um coração,
Nada se compara ao meu rincão,
aquele lá, do quinto distrito!

OS NOMES USADOS SÃO FICÇÃO, NINGUÉM QUE FOI CITADO, EXISTIU DE VERDADE, PARA OS OUTROS!




No Mar da Poesia!

No mar da poesia, eu me jogo...
Qual um barco errante à navegar,
Atravessando na solidão do mar...
...na dor do amor quase me afogo.

Águas turbulentas e cheias no olhar,
Ao céu de estrelas que tanto rogo,
E pedem em silêncio que volte logo,
Ao porto dum verso, possa ancorar.

Lua cristalina tem o seu esplendor,
Teias tecidas nas redes em louvor...
...jogados ao mar de um coração.

Sonho sofrido de um eu, pescador,
Recolhe as redes, cheias de amor,
No mar da poesia da minha ilusão.

Maria Louca, não era louca!

Maria Louca, não era louca…
Ela era apenas diferente...
Tinha um sorriso inocente,
Olhos grandes, marejados,
E um caminhar apressado…
Corpo de pequena estatura,
E a alma branca em candura…
Com lampejos, amargurados.

Maria Louca, não era louca...
Era apenas mais uma Maria.
Dessas, que vagam de dia…
E à noite encontram-se com Deus,
Nunca soubera o que é seu…
Por não se apegar à matéria,
Preferiu os preceitos da miséria,
No mundo que ela escolheu.

Andara por tantos caminhos,
Alheia aos olhos de tantos…
Sufocando as dores e o pranto,
Na triste sina dos andejos…
Dos que nunca tiveram desejos,
Nem o mundo por facilidade…
Sucumbindo ao tempo, a idade,
De um destino malfazejo.

Mas, Maria, já fora criança…
Já tivera sonhos e bonecas,
Já fora uma menina sapeca,
Quais tantas outras meninas,
Sem saber que a sua sina…
Um dia a mudaria de rumo,
Tirando sua vida do prumo,
Pelo vazio das esquinas.

Perdera a Mãe muito cedo,
Do Pai, nem sabia o nome…
Vivera à beira da fome…
Vagando pelos orfanatos,
Conhecendo tristes relatos,
De tantas outras Marias…
Que tinham almas vazias,
E a dor de um mundo ingrato.

Crescera vagando sem rumo,
Roubando para matar a fome,
Objeto de uso dos homens…
Que usavam sua carne fria,
Em fogosas noites de orgias,
Em troca de alguns minguados,
Deitou-se a alma em pecados,
Para matar a fome, Maria.

Viveu a mais chula paixão,
Na sina das condenadas…
Que amam e não são amadas,
...e sofrem com a sua dor…
Que vivem o intenso amor,
Na lâmina fria da pena…
Sofrendo a dor da condena,
De quem nunca lhe deu valor!

A moça de corpo esguio…
Que foi ficando envelhecido,
Não haviam mais preteridos,
Não haviam mais os clamores,
Os corpos perdem valores...
Com a idade que chega inata,
E a vida outra vez, maltrata…
Neste mundo dos desamores.

Maria Louca, não era louca,
Ela escolhera viver assim…
Só esperava chegar ao fim,
A vida e seus desenganos…
Cansada de passar os anos,
Alheia, suja e mal falada,
Já não esperava mais nada,
De quem se diz ser, humano!

Um dia, morreu sozinha,
Tão sozinha como vivera,
Cansada de tantas rasteiras,
Deste mundo de preconceitos,
Que talvez não dera o direito…
E uma vida, por certo, foi pouca,
Pra Maria, que nunca foi louca,
E só era feliz, do seu jeito!

terça-feira, 30 de maio de 2023

UMA FLOR SORRIU PRA MIM!

Um dia uma flor sorriu pra mim!
Flor linda, exalando um perfume doce,
Iluminada pelo sol da tarde…
Esnobando a beleza ancestral,
na lucidez das palavras de amor!

A meiguice da pele enegrecida,
Contrastando o brancor dos cabelos…
alvejados por raios luminosos e
salpicados de gotas orvalhadas de amor…
(não um amor comum…
não um amor banal…)
mas um amor angelical que ultrapassa o tempo
e se solidifica na doçura das palavras.

Um dia uma flor sorriu pra mim!
Margarida...
Margarida de muitas vidas!
Margarida que me apresentou, Deus!
E aprendi com cada letra, cada palavra, cada canto…
O real sentido da minha vida…
O sentido das chegadas e partidas,
O sentido de adeus sem despedida,
E o por quê da doçura, das Margaridas!

O tempo passa, num sopro de vento,
e teima em enrugar a minha face,
a encurtar os meus passos,
a esbranquiçar os meus cabelos…
e ela, a Margarida, que talvez um dia
será santificada nos corações bondosos...
permanece a mesma,
enfeitando a vida,
num passo curto,
balbuciando palavras para nos encher de luz.

Benditas sejas, na vida!
Doce flor, Margarida…
E nas orações que balbucia no silêncio do entardecer,
coloque à mim, esse filho pecador,
que esperou uma eternidade para apenas agradecer,
mesmo na solidão dos meus verbos,
por um dia ter-me apresentado Deus,
pois Ele permanece comigo, puxando-me a orelha,
por não ter tido um tempo de dizer:

Obrigado
por um dia ter sorrido pra mim!

POEMA QUE ESCREVI PARA A PROFESSORA MARGARIDA, QUE ME ENSINOU A ENCONTRAR A DEUS, NAS SUAS AULAS DE RELIGIÃO!

Obrigado Por tudo, Flor Margarida! 

Inventário!

Sei que estou de partida,
Meu tempo chegou ao fim,
E por certo vivi assim...
Entre chegadas e saídas,
Tecendo os retalhos da vida,
Com as linhas que convém,
Chuleando a coisas do bem,
Com a forma pretendida!

Semeei caminhos errantes,
Pelos trilhos da bondade...
Pra quem sabe ser saudade,
Em algum coração amante,
Que nesta sina de andante,
Sem ter pousada certa...
Deixei alguma porta aberta,
Em algum rancho distante!

Está na hora de me ir...
Pr’alguma estância no céu,
Trançar algum sovéu...
Na busca de algum sorrir,
De quem sabe que partir,
É a sina dos andejos...
Que guarda seus desejos,
Para adoçar o porvir!

Não deixo nada de herança,
Por não me apegar à matéria,
Mas não vivi na miséria...
Tenho abraços de lembrança,
E o sorriso das crianças...
Que me olhavam com gosto,
Vergando as rugas do rosto,
No perfume d’alguma trança.

Alguma camisa já puída,
Desta lida campesina...
Entregue à alguma china,
Que esteja ressentida...
Que me guardou nesta vida,
Num romance amanhecido,
Pra que não seja esquecido,
Nalguma lágrima escondida!

O velho par de rossilhonas...
As nazarenas cantandeiras,
A velha capa campeira...
A guitarra e a cordiona,
Avios de mate, a cambona,
E algum traste galponeiro...
Entregue a algum campeiro,
Ou alguma china chorona!

Me enterrem junto ao campo,
Bem no alto da coxilha...
Lá onde pasta a tropilha,
Sobre o verde deste manto,
E rezem a todos os santos,
Pra quem me arrumem morada,
Onde tenha égua aporreada,
Que nessas eu me garanto!

E se um dia nascer de novo,
- “Tomara que Deus queira”
Que seja aqui na fronteira...
Quem sabe, o mesmo povo,
Só de pensar me comovo...
Ver nos olhos dessa gente,
- Eu, um piazito inocente...
Vivendo tudo de novo!

Enquanto isso não acontece,
Vou me despedindo do mundo,
Num sentimento profundo...
Em forma de canto e prece,
Alguma boca emudece...
Entre lágrimas e pranto...
Deixo em formas de canto,
Para aquele que merece!

É apenas um inventário,
Do pouco que me resta,
Quem veio à vida, pra festa,
No velho torrão caudatário...
Fica uma cruz e um rosário,
Uma simples, circunscrição,
- “Aqui jaz o corpo pagão”...
Quem foi na vida, templário!

Hibernando!

Tem um louco que adormece em mim!
Finge-se de bom...
Aquieta-se...
Hiberna...
Mas um dia renasce e agiganta-se.
Louco, na sua fase terminal:
Grita...
Sussurra...
Resmunga...
Com força de mil corredeiras,
Extravasa a sua ira em mil poemas.

Mastiga versos ao vento,
Na voracidade de vozes silenciosas.
Que, ranzinzas, ecoam no vazio de mim!

Quando arrebanho letras e frases,
Juntando uma a uma...
Qual as folhas secas, de um outono febril,
Que dançam ao som de ventos cantores,
Ventania de saudades...
Molhada pela brisa funeral de uma noite pálida.

Assim sou eu!
Um louco, alucinado, degustando versos...
Mordiscando palavras...
Mastigando anseios.
Fogo incandescente de brasas rubras...
A incendiar um peito de pele gelada,
De pálpebras molhadas...
De mãos amassadas!
 
Por outras vezes, sou diferente!
Tão comum como qualquer um...
Que sofre de amor na dor latente,
Que é flor e semente de um araticum!

Jeito e trejeito de jeitoso efeito...
Lâmina cortante qual língua de viúva,
Pesados pesares a prender-me o peito,
Pleonasmo perfeito, pr’um tapa de luva!
Louco e loucura!
Pressa e calmaria!
Há um pouco de tudo quando o olhar deságua,
Na fome incontida que me vem, poesia,
É lâmina fria a cortar-me, há magoas!
 
Hiberno no tempo para acordar depois,
Com versos confusos a confundir-me a mente,
Palavras incertas a profetizar verdades...
De falsos profetas que são convincentes.
 
Tem um louco que adormece em mim!
Finge-se de bom...
Aquieta-se...
Hiberna...
Mas um dia renasce e agiganta-se,
E implora à poesia, uma prece eterna,
Fingindo apenas, na dor dos poetas...
Penúria confessa de encontrar um fim,
...ou apenas ressabio de um louco,
que vive em mim!