quarta-feira, 31 de maio de 2023

Extraviei o verso pra ela!

 


Já extraviei algum verso,
Na sesmaria dos campos,
No lume dos pirilampos...
Que se vestiam de estrelas,
Dessas que são sinuelas,
Para os tauras madrugueiros,
Vivendo o mundo campeiro...
Na prosa das pontessuelas.
Também já extraviei verso,
Quando um bocudo s’emborca,
“e torce o rabo da porca”...
Num socadão de rodeio,
Já salta vendendo arreio,
Com sofrenaços e berros,
Sentindo o golpe dos ferros,
Benzido a cabo de reio.
Não tive a benção divina,
Nem a pretensão de tantos,
Faço meu mundo no campo,
Por essas madrugadas frias,
Repontando a rebeldia...
De ventenas e culmilhudos,
Por certo não tive estudo...
Mas me encanto co’a poesia.
Um dia desses “cebrunos”,
Que a gente anda disperso,
Tenteei a fazer uns versos,
Desses que falam de amor,
Para entregar a uma flor...
A mais linda desse rincão,
Que mora, depois do lagoão,
Bem na volta do corredor.
Rascunhei de todo agrado,
Botando as letras na forma...
Sem conceito e sem norma,
No silêncio do meu galpão...
Judiando o calo das mãos,
Aos poucos foi se ajeitando,
E um versito, “acuierando”
Com as rimas do coração.
Depois do verso pronto...
Dobrado, assim, à preceito,
Larguei ele junto ao peito...
Num Paiñuelo maragato,
Vesti uma pilcha, pra retrato,
Encilhei um picaço patas brancas,
Desses de graxa na anca...
Um regalo de Dom Mulato.
Peguei o corredor da frente,
Assobiando uma coplita mansa,
E o picaço, uma balança...
Mordendo as campas do freio,
Cantarolando, aos arreios...
E duas chilenas de prata,
Que iam fazendo serenatas,
De versos, quebrado ao meio.
O sol ia dando as caras...
Bem de trás de um coxilhão,
E o picaço, ainda redomão,
Não vinha gostando da cantilena,
Mas a saudade da morena...
Pra entregar os versos pra ela,
Repontava-me ao rancho dela,
Na mais terrunha, das cenas.
Fui tentear cruzar o passo,
Mas o picaço refugou...
E de pronto já se armou,
Arcou o lombo pra uma tora,
Mas um taura não se apavora,
Embora seja curto o espaço,
Quem tem um mango no braço,
E o aço forte da espora.
Meti os encontros do maula,
Levando tudo de arrasto...
Com água na aba do basto,
E a força da natureza...
Meu mundo de incerteza,
Era mais que um desafio...
Quando o verso caiu no rio,
E se sumiu na correnteza.
É triste a vida de um taura,
Que sabe pouco das letras,
Nem ao tranco se endireita,
Co’s sentimentos guardados,
Que vivem aquerenciados...
Entre o rancho e a cancela,
Mas guardei o verso pra ela,
Num coração, mal domado.
Talvez um dia lhe entregue,
Numa noite de lua branca...
Sentado junto à barranca,
Bem ali ao cruzar, o passo,
Em que juntarei os pedaços,
Num romance caminhador,
Quando te jurarei amor...
Na anca do meu Picaço.

Sem comentários:

Enviar um comentário