sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Romance do Negro Juca!

Fim de tarde mormacento...
Sangrando nuvens cardadas,
E junto a uma cruz, cravada,
Eu me ajoelho em oração...
Momento triste, na solidão,
Rodeado de mato e mutuca,
Onde o corpo do Negro Juca,
Descansa à sete palmos, no chão.

Na cruz falquejada às pressas,
Não tem data e nem nome...
Mas o certo é que jaz um homem,
Quem tinha muito valor...
Que carregou o peso da cor,
De ser negro, preto, retinto...
Quando a sorte vem no instinto,
Mata e morre por amor.

Lembro quando chegou na estância,
Àquele piazote esmirrado...
No fio do lombo dum tostado,
Que mal trocava o passo...
Tão grande era o cansaço,
Daquelas duas criaturas,
Dois vultos na noite escura,
Dois corpos num só espaço.

Chegou, e por ali foi ficando...
Era o mandalete da estância,
Negrito bueno, de confiança,
Tinha destreza e aprumo...
Apelidado de “pau de fumo”
Não se importava com os risos,
Encontrava em fim, o paraíso,
Encontrava em fim, o seu rumo.

Encantou-se com a criançada,
E até brincava com elas...
Sinha Flor menina bela...
Linda como outros tantos,
Tinha um sorriso de encanto,
Olhos dolentes e meigos...
Pareciam encantar-se com o negro,
E a triste regra dos brancos.

O Estancieiro diversas vezes,
Veio ralhar com o negrinho,
Que ficava por lá sozinho,
Olhando as outras crianças,
Sabia manter a distância,
Que separa os desiguais...
Pois tempo nunca é demais,
Pra quem não perde a esperança.

E assim o negrito, cresceu...
Em poucos anos, se fez moço,
E já se escorava no alvoroço,
Terceando o ferro branco,
Bueno de lida e no campo...
Deixou de ser mandalete,
Fez-se o melhor dos ginetes,
Honesto, firme e franco.

No ponteio de uma tropa...
Ou cuidando a cavalhada,
Despontava a madrugada,
Coplando versos ao vento,
Tinha agruras no pensamento,
Guardando a dor da distância,
A parte negra de uma infância,
Que chuleava um sentimento.

Negro Juca se fez homem...
E ganhou o respeito da peonada,
Era a pura estampa moldada,
Em quase dois metros de altura,
Negro, como a noite escura,
Forte, valente e peleador,
Que tinha um orgulho da cor,
Na mais robusta figura.

Um chapéu de aba grande...
Beijando a gola de um pala,
Uma barba preta e rala,
Redesenhando o seu rosto,
Onde o vermelho exposto,
De um lencito maragato,
Pintava um xucro retrato,
Na fria noite de agosto.

Pois é desta noite que falo,
De uma história mal contada,
Onde até os contos de fadas...
Perdem-se em nuances de cor,
Negro Juca e Sinha Flôr
Tinham um romance escondido,
Sem nunca terem percebidos,
O preço alto de um amor.

Ninguém sabia na estância,
Nem tão pouco imaginava,
Que a moça branca amava,
Àquele Negro retinto...
São essas coisas do destino,
Que o tempo jamais explica,
Porque que uma moça rica,
Vai se encantar c’um teatino.

O pior de tudo, que a moça,
Filha única do estancieiro,
Tapada de joia e dinheiro...
Não soube esconder o segredo...
E nos braços fortes, do Negro,
Se rebuscava de um calor...
E entregava-se ao amor,
Sem pressa, sem juízo, sem medo.

O catre quente de um galpão,
Por entre trastes e encilhas,
Viu-se a noite tordilha,
Acolher a voz de um trovão,
Quando o fogo dum mosquetão,
Abriu um clarão no céu...
E a parte negra de um véu,
Ecoou em gritos, de não.

Mas a distância era curta...
Entre o Negro e o atirador,
E ainda sentido o calor,
De um amor que não apaga,
Com a memória meio vaga,
Talvez a morte que mande,
Viu um corpo golfando sangue,
Bem sobre o “s” da adaga.

Assim dois corpos tombaram,
Na mesma morte que chega,
É a parte cruel e negra...
De quem só queria amor,
E a moça envolta ao pavor,
Clamando à gritos de solta,
Chamando os dois de volta;
Guasqueando os golpes da dor.

De nada adiantara os gritos,
De nada adiantou o pranto,
Se o amor de preto e branco,
O mundo injusto condena,
Pra sempre carregar às penas,
Da solidão de quem fica,
Puxou o gatilho, a moça rica,
Para completar esta cena.

Hoje o Velho, num mausoléu...
Descansa no fogo do inferno,
Sem saber que o amor é eterno,
E a morte não justifica,
Negro Juca e a moça rica...
Embora os olhos não alcancem,
Seguiram com seu romance,

Da triste história que fica.

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