Ney Moreira da Silva e Paulo Ricardo Costa
Foi numa sombra de
carreta,
Que este Rio
Grande se ergueu,
Num tempo que se
perdeu...
Por entre a poeira
e a distância,
Quando o sonho e a
esperança,
Pareciam, até,
serem reais,
Os Homens tinham
ideais,
Na fé que vinha de
herança.
No silêncio de uma
estrada,
Num coxilhão,
descampado,
O rangido triste e
marcado...
Era como um grito
de alerta,
De uma Pátria que
desperta,
De um sono de
retrocesso,
Ponteando notas ao
progresso,
E para memória dos
poetas.
Quatro juntas
afinadas...
Desde o coice até
a ponta,
E um sonho tomando
conta,
Nas mãos férteis
do carpinteiro,
Varilha, mata-bois
e o fueiro,
Mesa, seva e o
assoalho...
Chavelha, muchacho
e cabeçalho,
E um sonho de
carreteiro.
Um toldo, feito a
capricho...
Para os invernos
terrunhos,
Desenhado de
próprio punho,
Coisas que a vida
ensina...
Cambota, raios e
buzina,
Rodados, cheda e
cambão,
São partes de um
carretão,
As tábuas de
madeira fina.
Canga leve e bem
feita,
Quatro canzis de
primeira,
Ajoujo, brocha e
rejeira,
Aspas de lua minguante,
E a carreta vai
adiante...
Vergando os sulcos
da terra,
Bombeando campos
taperas,
Na solidão de um
andante.
Por anos foi deste
jeito,
Levando bóia pra o
povo,
Só de lembrar, me
comovo,
Daquela imagem que
não sai,
E até uma lágrima
me trai...
Cortando a fios de
navalha,
Bombacha rota,
chapéu de palha,
E um sorriso do
meu Pai.
E sempre que ele
voltava...
A carreta nunca
vinha vazia,
Nos seus olhos a
alegria,
Deste mundo que
ele quis,
Nos meus sonhos de
aprendiz,
Já me via um
carreteiro...
Levando ao mundo
povoeiro,
Nosso jeito de ser
feliz.
Mas, um dia veio o
progresso...
Rugindo a berro de
motor,
E o carreteiro
perdeu o valor,
Nesta ganância
desenfreada,
Já não haviam mais
pousadas,
Pelo silenciar das
sarjetas,
E nem sombras de
carretas,
Pelo beiral das
estradas.
O mundo, hoje, tem
pressa,
E os bois
tranqueiam lentos...
O Homem já não tem
tempo,
Com suas máquinas
potentes,
Lembram-se do que
é presente,
Vivendo o mundo
agitado,
Como se os tempos
passados...
Não importassem
pra gente.
Pra muitos, não
restaram nada,
Vagando diante as
cancelas...
Ou pelas toscas
favelas,
Na parte fétida
das cidades,
Na mais cruel
desigualdade,
Que separa, seres
iguais...
Vivendo pior que
animais,
Frente aos olhos
da sociedade.
E o “marimbondo”
da picana,
Hoje, me crava o
coração,
Com a dor do seu
ferrão,
Nesta saudade que
afago,
Vivendo longe do
pago...
Quando rebusco os
sentidos,
Ainda escuto um
rangido...
Pelas lembranças
que trago.
Àquele sonho de
carreteiro,
Que pelo tempo se
foi...
Restou-me a sina
dos bois,
Diante de grades e
cimentos,
Ajoujando
ressentimentos...
Com os mesmos
olhos de bicho,
Comendo as sobras
do lixo...
E mendigando o meu
sustento.
É assim que, hoje,
me encontro,
Excluso ao mundo
que fiz...
Sou mais um ser,
infeliz...
Sem teto, sem
casa, sem chão,
Vertendo sangue
das mãos,
Junto ao esgoto,
das sarjetas,
Numa sombra de
carreta...
Carregada de
papelão.
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