quinta-feira, 23 de novembro de 2017

As dores do Mundo!

“Choro as dores do mundo...
...por que o mundo chora de dor!”
...por que o mundo esqueceu o valor,
da igualdade e da compaixão...
Por que os homens perderam a razão,
criando armas e bombas nucleares...
e esqueceram que são nos lares,
...que se começa, o amor e o perdão!

Choro as dores do mundo...
...desse mundo sem direitos,
...mundo de dor e de preconceitos,
que sobrevive na arrogância...
dos que se agigantam na ganância,
de um poder de corrompíveis...
que vagam em todos os níveis,
nas mazelas da ignorância!

Mundo de gente insana...
...lavrando as atas da fé!
Mundo que execrou José...
(Àquele mesmo, o Carpinteiro),
que escolheu ser verdadeiro...
cedendo o ventre da amada,
Para ter uma Vida glorificada,
longe de seu exílio povoeiro.

Mundo de bárbaros e chacais,
que vivem a esbórnia do poder,
onde reinam sem conhecer...
sob o olhar dos profanos,
que sustentam seus enganos,
pelos engodos da sorte...
e vão dissipando a morte,
no jubilo dos desumanos!

Choro as dores do mundo,
sob o manto da desgraça...
de tantos bustos, nas praças,
erguidos à força dos nobres...
Heróis financiados a cobres...
trocados à tropas e estâncias,
são sombras da intolerância,
sombreando as dores dos pobres.

Choro as dores do mundo...
...e dos índios sacrificados...
que por anos foram usados,
ao bel prazer de uma Igreja,
a onde a soberba rasteja...
em seus castelos dourados,
com púlpitos de ouro, roubados,
...rateando a fé em bandejas!

O mundo chora de dor...
...a dor de Mães sem filhos,
...a dor de incrédulos andarilhos,
que vagam por noites mortas,
tantando encontrar a porta...
(que dizem ser do futuro)
cegos de Deus, no escuro,
que a alma nunca conforta!

Choro lágrimas incontidas,
...por que ainda havia esperança,
mas vejo a longa distância...
que separam os seres iguais,
Num mundo de irracionais...
...de saqueadores da Nação,
pouco resta para o perdão...
e não chorar nunca mais!

Mas sei que isso é utopia,
nesse mundo de desengano,
talvez encontre noutro plano,
em algum ser superior...
que ensinem o que é o amor,
esse sentimento profundo...
... choro as dores do mundo,
Por que o mundo chora de dor!

Julgar!

O que as pessoas não entendem,
é que a verdade não se vende...
...nas mazelas da sociedade,
E a arte que nos ensina...
...não vive pelas esquinas,
com os olhos da falsidade!

Nem tem uma justiça cega,
de tantos, que ainda pregam,
...a injúria dos preconceitos,
Que buscam, em torpes palavras,
...a infâmia que é escrava...
dos que só buscam defeitos!

A arte que tantos julgam...
...e a um ato final promulgam,
com a sua gana de vaidade,
É um punhal de fino corte...
...que vai talhando na morte,
um sonho de liberdade!

A liberdade em que a poesia,
...se liberta da tirania...
E dos conceitos reais,
De técnicas, de normas e de atos,
...de quem escraviza, o fato...
De apenas serem normais!

Julgar, ao julgo da sorte...
...talvez seja punhal de corte,
na língua do poder...
De quem a mente escraviza,
...e não conhece a divisa,
entre o ser e o não ser!

Julgar a arte de alguém...
ao modo que lhe convém,
com olhos de escravidão,
Talvez, embora, não deseja...
Quais as víboras que rastejam,
...que só lhes restam, o chão!

Por isso eu me abstenho,
por que o mundo que venho,
a arte é sempre uma arte...
e além de tantos, confesso,
só a verdade, me interesso,
...pois ela, de mim faz parte!

Então, não julguem valores,
...não julguem pelas suas dores,
...ou porque a vida lhe condena,
Quando se abstém da vaidade,
A vida lhe traz verdades...
...de ser livre, por uma pena!

Funeral em Campo aberto!

O dia amanheceu cinzento, meio fora do normal!
Trazia a cara de sono nos olhos da madrugada,
E uma cantiga de dor, vinha no aço das esporas,
Rangidos triste das horas pelo silêncio da estrada.

O dia amanheceu cinzento, cinzento em plena cor,
E os cuscos não brincaram, como sempre foi o ritual...
O berro de um touro quebrou o silêncio e os planos,
Com um ventito minuano, descabelando o macegal.

Desde as horas do amargo, um pensamento de vinha,
Lembrei dos olhos da amada, com sorriso amanhecido,
...da maciez de suas mãos me alcançando o mate,
E do corpo quente no catre, entre sonhos divididos.

Ainda guardei no ouvido, como melodia de guitarra,
O sussurrar de uma cantiga, bordoneada de nostalgia,
E retruquei o silêncio com uma coplita redomona...
Encostando cuia e cambona pra me fazer melodia.

O dia amanheceu cinzento, meio fora do normal!
E uma angustia retrechando, apertando o coração,
Tentos e argolas de arrasto, dando voz ao pedregulho,
Vinham fazendo barulho retumbando no galpão.

Alcei a perna no mouro, assim como sempre fiz...
Que saiu trocando orelhas, quebrando a geada fria.
Rumando fundo de campo, ruflando notas ao vento,
E espantando o pensamento, por começar o meu dia.

Costeei a volta do mato, depois da picada grande,
...um coxilhão de trevais, uma sanga de pedras mouras...
...o varzedo da divisa, uma baixada e um capão...
...e logo mais um lagoão, um descampado de vassoura,

Um lote de vacas pampas pastando no serrilhado,
Um lote de bois colorados, ali na outra invernada,
Vacas de cria, amojadas e outras só pra o descarte,
Iam pastando aparte, no outro lado da estrada.

Meu peito trazia angústias pelo silêncio das horas,
Nem a cantiga da espora, era acalanto pra alma,
Nem o acôo dos cuscos no voo d’alguma perdiz...
...nada parecia feliz, naquela quietude e a calma.

Mas a vida traz coisas que jamais serão escritas,
Frases que não são ditas, por certo nunca se lê...
E a calmaria vira angústia e o silêncio se justifica...
...e o que o tempo explica, quanto está para acontecer.

Um zebu, aspas de lua, costeia à cerca da divisa,
Tenteando fazer costado as vacas pampas da invernada,
E outro Pampa valente retrucando a sua bravura...
Vem machucando a planura, sem s’importar com mais nada.

Olhei a cena ao longito: o zebu tenteando a esgrima,
...como se trama e palanque não tivessem serventia,
E o Pampa, escarvando berra, mostrava armas de guerra,
...como se campo e terra fosse a razão do que via.

Meti a espora no mouro como quem chama pra lida,
E aticei dois coleiras, indo de encontro com o touro,
Mas o zebu na sua ânsia de ser o dono do rodeio,
Não se importou com o reio, nem co’a presença do mouro.

Berrando como patrono, de um trono que não é seu,
Se botou na cachorrada pegando no mesmo embalo...
E veio de encontro ao mouro com suas aspas de lua,
Ponteando como duas puas, nas paletas do meu cavalo.

Foi um estrondo e um berro, acordando a manhã vazia,
E aquele sangue que escorria pelas aspas do touro...
A cachorrada garroneando e um maula ali acossado,
Vendo um taura estirado sobre o corpo do mouro.

Não houve esforço pra’o mouro, pois pressentiu o seu fim,
Estirado sobre o capim, olhando assim a-lo-léu...
Fechando os olhos lentamente, como a buscar oração,
Porque entre a cerração, nem via o azul do céu!

Não há dor mais triste, ter que sangrar um amigo...
Mas a lida tem perigos que a gente jamais imagina,
...talvez sejam as lições que só com tempo se aprende,
Encarar um touro de frente, bem ali na hora da esgrima.

O touro ganhou o mato a grito e dente de cusco,
E eu fiquei com o susto, mas com a vida por certo,
...como um balaço no peito, ardendo à sina dos malos,
Ter que sangrar um cavalo, num funeral em campo aberto!

Por de trás do véu de Iris!


Muitas perguntas são feitas,
Muitas respostas são dadas,
Muitas palavras guardadas,
Deste o plantio à colheita...
Há uma passagem estreita,
Onde um fio de consciência,
Paira diante da existência...
...do natural ao incomum...
Fazendo com que cada um,
...tenha sua própria vivência!

Não é apenas a mitologia,
Com seu fadário telurismo,
Nem frases de um catecismo,
Que sustentam nossos dias...
Mas são jugos da sabedoria,
Que cada um se conforte...
Quando se rompe no corte,
o que nos prende a matéria,
um corpo se faz miséria...
findando a carne, na morte!

Mas nem por isso termina,
O que lhe foi emprestada...
Se o corpo volta pra o nada,
A vida prossegue e ensina...
Abre-se uma nova cortina,
Tantos sonhos para viver...
Um novo tempo à aprender,
Um caminhar entre as flores...
Longe do tempo das dores,
Que o mundo faz padecer!

Cada um tem o seu destino,
Escolhido a seu bel prazer...
um dia, tu pudestes escolher,
Entre ser chão ou peregrino,
Se queres ser grosso ou fino,
Em qual o lugar queres viver...
Escolhestes onde querias nascer,
Suas circunstâncias de vida...
Até a forma de ser parida,
E a Mãe que o iria conceder.

Ninguém está aqui por acaso,
Nem parte antes da hora...
Ninguém pede para ir embora,
Sem finalizar o seu caso...
Pois todos tem o seu prazo,
Já escolhido antes de vir...
E até a forma que queres partir,
Dependendo da sua existência,
E o que carregas na consciência,
Pelas marcas de um existir.

E a Iris nunca entendeu...
O por que de cada partida,
Nem os seguimentos da vida,
Que ela mesmo escolheu...
Quando o seu corpo morreu,
Vendo a matéria em pedaços,
Apertado em tão tenro espaço,
Das paredes de um caixão...
Aos Deuses pediu perdão...
Sentindo a força de um laço.

Deusa do céu e do mar,
Mãe de vida e do amor...
Um arco-íris de esplendor,
Que a tantos vem encantar,
Quando guardou no olhar...
Por detrás daquele véu,
A grandeza do mesmo céu,
Onde estaremos um dia...
Adocicada de amor e magia,
Com vida em gotas de mel.

Aprendi muito contigo...
Em cada palavra escrita,
Que a vida é mais bonita,
Num mundo sem perigo,
Lá onde vivem os amigos,
Que nos transmitem a luz,
Sem ter que carregar a cruz,
Tão pesada da existência,
Onde adormecem consciências,
No amor de Cristo, Jesus!

Quinze dias de escuridão!

Cai num sono profundo,
Beirando a morte fatal...
E fui descobrindo outro mundo,
Talvez um mundo irreal...
Vi a cura pras minha chagas,
E tudo aquilo que fazia mal,
E no desespero da morte...
Por certo que eu tive a sorte,
De ver um eu, outro igual!

Andei por casas antigas...
Por alamedas e campos floridos,
Aqueci-me em mãos amigas,
Talvez por eu ser o escolhido...
Deixei meu canto ao vento...
E por muito pude ser ouvido,
E na simplicidade de um canto,
Estive entre a alegria e o pranto...
E tantos sonhos divididos.

Um véu de nuvens brancas,
Se abriram como algodão...
Ouvi as vozes das Santas...
Com seus cantos em oração,
Peguei mendigos nos braços,
E vi sangrando suas mãos...
Senti o fel na minha boca,
E os gritos de gente loucas...
Na clausura da escuridão!

Me abstive das promessas,
Que muitos fazem pra cura,
Do mundo que vive com pressa,
Das ruas e suas loucuras...
De bocas famintas de pão,
E Profetas de falsas juras...
Que massificam as palavras,
Atordoando mentes escravas,
Na distorção das escrituras.

Foram quinze dias insanos,
De paz, de amor e calmaria,
Mas pareceram quinze anos,
Sobre o vazio de uma cama fria,
Onde um corpo entre agulhas,
Ia penando os seus dias...
Findando aos olhos de tantos,
Que clamavam pelos cantos...
Sem entender o que eu sentia.

E a morte esteve por perto...
Rondando com a sua frieza,
Também não sabia ao certo,
Também não tinha certeza,
E ela por louca imaginava...
Meu corpo frio sobre a mesa,
Mas esqueceu que mi’alma,
Por ser linda, serena e calma...
Também tinha as suas defesas.

E um corpo ali estirado...
E a morte com olhos abertos,
A minha alma lá do outro lado,
E Deus me rondando por certo,
Encontrando outras verdades...
E planos a serem descobertos,
Cercado de seres iluminados,
Na brandura de anjos alados,
Com o meu espirito liberto..

Não foram sonhos em vão...
Não foram apenas momentos,
Foram quinze dias de escuridão,
Pra muitos de dor e sofrimento,
Mas eu estava em outro plano...
Sentindo a paz e o alento...
Nos braços de tantos amigos,
Que sempre estiveram comigo,
No plenário dos pensamentos.

Passei no umbral das dores...
Ouvi gritos e renegação...
Vozes de ódio e rancores,
Na penúria de um alçapão,
Presos na própria vaidade...
Com sangue vivo nas mãos,
Acordei pra vida e para o bem,
E entendi o amor que se tem,
Em quinze dias de escuridão!

sábado, 16 de setembro de 2017

Meu Jeito

Sé é esta boina basca...
Ou é a bombacha Pampeana,
Se é minha alma aragana,
Que pulsa dentro do peito,
Se é este o meu defeito,
De andar sempre pilchado...
Com um lencito esparramado,
Sobre a gola da camisa,
Se é por não conhecer divisa...
Então, qu´eu seja condenado!

Se esta guaiaca que uso...
Não tem ouro e nem prata,
E um simples par de alpargatas
Com cinzas d’algum galpão,
Se a verdadeira tradição,
Tem regras pra sobrevivência...
Então, eu tenho a consciência,
Que a coisa está indo mal!...
Me desculpe, “os maioral”,
Mas não me apego as conveniências.

É muito bom, fazer leis...
E ditar regras pra esta gente!
Desfazer do que é presente,
Gritar as glórias do passado,
E lá num gabinete, encostado...
Na sombra de um movimento,
Que só mantém o sustento,
Graças às migalhas do povo...
Que não se importam com o novo,
Pois vivem do sentimento.

Pois um gaúcho não se mede,
Por aquilo que ele usa...
Conheço gente que abusa,
Fazendo do cargo, um poder,
Muitas vezes, sem conhecer,
Os sentimentos verdadeiros...
Parece um cabide campeiro,
Cheio de trastes e utensílios,
A própria vergonha dos filhos,
Mas com pose de estancieiro.
  
Me perdoem, meus Patrícios!
Se o meu pensar é diferente...
Mas não é a pilcha da gente,
Nem a estampa, nem as cores,
Me perdoem, meus Senhores!
O que vou falar de uma vez,
Eu não nasci, pra ser rês,
E nem tão pouco usar canga...
Mas até pelado, numa sanga,
Sou mais gaúcho que vocês.

Porque aqui, aonde eu vivo...
E lutamos para ser liberto...
O único movimento certo,
Que hoje é quase uma graça,
É ver tanta gente na praça,
Fazendo tudo ao contrário...
Vergonha do chão caudatário,
Alheio às leis, que eu falo,
Dos que só conhecem cavalo,
Nas folhas dos calendários.

Se um dia alguém escreveu.,
Regrando a própria pesquisa,
Mas pra’o Gaúcho não há divisa,
Não há cerca, nem fronteira,
Não é o pano dessa bandeira,
Que tremula em mastro de ouro,
Aonde a empáfia faz coro...
E a pilcha virou concurso,
Só para manter o discurso,
Dos que rebuscam seus “louros”.

Dizem que é castelhana,
Esta bombacha que uso...
Mas, ninguém vê o  abuso,
Dos que andam bem pilchados,
Desfilando de chapéu tapeado,
Como os donos da verdade...
Só pra manter uma identidade,
Timbrada à grito e grossura,
Como se educação e cultura,
Não coubessem em sociedade.
  
Pois o tempo do coronelado,
Da imposição e do poder...
Do mandar sem conhecer,
São coisas do passado,
Que um dia foi enterrado,
A sete palmos, neste chão...
Pois, hoje, não há razão,
Pra ditar normas e regras,
De uma cultura que é cega,
E valoriza só quem é Patrão.

O velho vestido de xita...
Que era tão lindo nas prendas,
A flor de laranjeira, as rendas,
Foram trocados por veludo,
Talvez para avalizar estudos,
D’alguma pesquisa fajuta...
Dos que se vangloriam das lutas,
Sem conhecer a verdade,
Regrando a própria sociedade,
No interesse que desfruta;

Quando um cargo vira emprego,
Dos que tem gana de aparecer,
E a valorização de um ser,
Está naquilo que se usa...
Quando o interesse se cruza,
Com a arrogância e a maldade,
As regras escondem verdades,
Que chega, até, ser abuso,
Onde um Negro era escuso,
De viver em sociedade.

Pois a tradição está na alma,
É parte da vida da gente...
Está no amor que se sente,
Fincado dentro do peito,
Está no errado, no direito,
No que pensa e não nega...
Está no campo, na macega,
No sentimento e na arte,
Tradição está em toda parte,

Só nunca...nunca aceitará regra!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Silencio e dor de um excluido!

O agosto vai de longe matraqueando o tempo,
...pingando lágrimas carcomidas nos santa-fés;
Pelas frestas do rancho, passam résteas de solidão,
E um angico chorão finda a sua vida de lamentos,
...por entre as sedas e o bailado das lavaredas...
...que dançam para o luzeiros dos meus olhos.

Na frente do rancho, mais além da cacimba...
Os juncais se escondem na fumaça do lagoão,
E um socó lustra suas penas, na penúria das esperas,
...tendo o céu, tão distante entre as nuvens de algodão.

O que me restou neste fundo?
Todos partiram como aves migratórias, que precisam dos janeiros,
para a sua própria procriação...
e levam olhos de esperança, de um outro verão!

Eu, que me fiz campeiro, no lombo dos ventenas,
Arrastando nazarenas encharcadas de sereno...
Repontava madrugadas grandes à pata de cavalo,
Só por gostar do embalo de um par de olhos morenos.

Eu, que ví a forma do pampa sem cercas, nem aramados,
Sangas rasas cantando versos na costa dos paredões...
E amanhecia pelas tafonas ou rondando tropas inteiras,
Gastando horas ligeiras, enriquecendo os patrões.

Eu, que gastei a palavra para sempre horar o meu nome,
...e muitas vezes peleei por não acreditarem nela,
Vi pelas estâncias, de casas antigas e Homens de bem,
Sucumbirem a um progresso que vai trancando as cancelas.

O que me restou nesse fundo de posto?
Horas esguias, peleando sem armas na mão...
Sofrenando as lembranças que entordilharam meu rosto,
Findando em saudades por me apegar a este chão!

Ali do outro lado da canhada, depois do salso chorão...
Havia uma restinga de águas andarilhas...
...que desciam da coxilha em serpenteio as pedras,
E deslizava como aves migratórias num céu azul,
Apontando o rumo do sul, para desembocar no lagoão.

Ali, na costa do mato, onde as casuarinas deixam sombras,
para a toca das mulitas...
e as garças chegam, vestidas de noivas,
para uma espera matutina;
Bem ali, entre o lajeado e a serrilhada,
Que um picaço de boca atada,
estranhou a cantiga dos ferros,
E a força desses maulas, num redeio,
Fez estrago nos arreios....
...e na vida de um Mulato,
que deixou no frio de um retrato,
lembranças para serem eternas.

Então me pergunto?
- O que me restou deste tempo?
- O que deixaram pra mim...
...silencio de sóis em luas?
...cambonas amargas de solidão?
Resto de um pampa antigo,
Rasgado a lâminas e aço...
Basteira de campo infértil,
Que só mata a fome dos donos,
Sem gado...sem tropa...sem vida.

Agulhas de picanas a cravar-me os olhos,
Onde transbordam sangas que morrem...
...ao perceber o meu fim,
Enquanto roncam as máquinas do tempo,
Levando os sonhos de tantos quais à mim!

Venenos e pesticidas!
Riquezas e progresso!
Tulhas cheias na burra os donos...
...campeiros pobres a morrer de fome,
vendo a terra se rasgar de dor...
pressa doida à apartar os Homens,
que vagam silentes...
de dorso curvado...
de olhos marcados...
e bastos nas costas...
como tropa ao reponte,
penando na dor do mango,
 na poeira de um corredor!

A Santa que eu tinha!


A Santa que eu tinha era outra...
...nos meus tempos de menino!

Pés descalços e calça arremangada,
Descia as alamedas empoeiradas,
Vendo ao longe o contorno nos cerros,
Ali junto a vilinha que se erguia...
Casas novas que pareciam antigas,
Casas antigas com seu jeito novo.

Na beira dos caminhos e rastros das tropas,
Os solavanco das rodas empoeiravam os meus sonhos,
- Quando arteiro subia nas figueiras velhas,
Para ver lá ao longe, nas janelas grandes...
...moças donzelas, em penteados lustrosos,
e sorrisos de dentes brancos.

Não sei porque vivi nesse tempo?
Tempo em que os Homens de panamás brancos,
...e a estica de seus ternos riscados...
se confundiam na multidão, das festas da Matriz
O Padre com seu semblante teso e voz cantada...
As viúvas com “encharpes” negros,
...vestidas de um luto que só o funeral enterra.

As missas dos domingos não terminavam mais!
O Padre nos olhava como se fossemos pecadores,
...e éramos... e ainda somos!
Meus pés pequenos ficavam menores ainda...
...num sapato preto, que meu tio usava.
A calção com tirante...a camisa engomada...
que depois da missa não via a hora de sair do prumo.

As alamedas floridas que iam até a estação.
A rua do acampamento dos tropeiros...
As águas limpas que desciam dos cerros,
...e afogavam a garganta, aquela sem o nome de Deus!

O ronco dos motores e suas buzinas roucas...
Mascates e andarilhos a ofertar seus bens...
O brique do Saldanha e enfeitar a praça...
Onde vendia-se de tudo, até o que não se tem!

A Santa que eu tinha era outra...
...nos meus tempos de menino!

Lá se foram os meus anos...
...que a calmaria do tempo roubou de mim!
Mas os olhos da saudade, que só se fecham depois da morte,
...ainda trazem suas gotas remelentas...
...castigando, na verdade, por me ver chegar ao fim!

Por que será que aquela Santa...
- que ganhou o nome de Maria, por ser tão bela,
Me deixou envelhecer para e sofrer assim...
...e me faz viver penando, com ausência dela?

E hoje, quando busco as alamedas empoeiradas,
As casas antigas com suas janelas grandes...
As moças donzelas, cabelos lustrosos e dentes brancos,
O ronco dos motores das lambretas novas,
Nada encontro... nada tenho... nada vejo!

Só tenho os olhos esbugalhados...
 nas folhas amarelas, dos retratos antigos,
que ninguém quer ver...
E ainda guardo o velho terno, de linho riscado...
Um chapéu panamá, empoeirado,
Um coração, que, por solito e magoado.
Só está esperando o meu chamado,
Pra quem um dia...
...alguém, quem sabe...
...possa lembrar de mim!

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A Magia dos Sonhos!

Três homens e quatro cavalos!...
Eu sempre tentei compreender...
Qual o significado dos sonhos!
O que esconde essa magia...
Que faz um ser humano,
Viajar numa imensidão...
De imagens tão diferentes,
De distâncias infinitas...
De espaços tão pequenos.



Por muito tempo os meus sonhos,
Foram em preto e branco!
Muitas vezes eu vi a dor...
Vi a guerra, o ódio, o rancor...
Pessoas sofrendo. nos meus sonhos,
e eu sofrendo nos meus dias!

A minha vida de tormentos,
A pressa com o que eu andava,
A solidão rodeado de gente...
A agitação das ruas cheias...
A distância das pessoas, indo e vindo,
E outras nas calçadas frias,
Parece que tudo se refletia,
Tornando os meus sonhos,
Sem vida, sem cor, sem alegria.

Um dia tentei mudar...
Olhar mais para a natureza,
A cor do céu... As flores... o mar,
A vida que paira diante à janela,
...os raios cintilantes de um sol de abril,
O cantar dos pássaros, as aquarelas,
E a noite que cai tão bela...
Fartada de estrelas e uma lua grande.

Então mudaram os meus sonhos,
Comecei ver pinceladas de cores...
Sem guerra, sem ódio, sem dores,
Vi-me vagando por lugares ternos,
Viajor de campos eternos...
Rodeado de imagens calmas...
Senti-me novo, uma nova alma,
...em cada sonho que em mim, refletia.

Três homens e quatro cavalos!...
Um campo vasto florido...
Apareciam repentinamente...
Vagando pelos meus sonhos;

Então busquei reencontrar-me,
Na vida rude em que levo...
E buscar em cada pessoa,
O Deus que existe nos seres,
Com sua crença e diferença,
Sem julgo ou sentença...
Com suas vidas incomum.

Andando pelas ruas frias...
Onde seres maltrapilhos...
Desfilam suas roupas sujas,
Carregando as casas de papelão,
E a carne rija e cansada...
Estampando olhos famintos,
Envaidecidos pelas drogas,
Alimentando almas tão frias,
E tão distantes deste mundo carnal.

Adentrando em casas torpes...
Vendo corpos ardentes
Expostos em vidraças sujas,
Como carne erre ondas,
De açougues fétidos,
Na espera imoral,
De vender o corpo,
Por troco de nada.

Saio com a ideia louca,
De mudar o mundo em que vivo,
E vagando na boca do lixo.
Só encontrei olhos de bicho,
Matando a fome nos restos alheios,
E mãos trêmulas de embriaguez,
Que mal seguram a dor do vício,
Terminando a vida em balcões vazios.

Não sei se é sonho ou se é realidade?
Mas vejo o mundo com outros olhos,
E a dor de tantos que, hoje, vagam,
Apertam-me a alma, colorindo sonhos!
E de novo vejo, desfilando calmos,
Sem saber o porquê!...
Nem para quem eu falo...
Lá vêm três homens e quatro cavalos,
Tateando sonhos em direção à mim.

Talvez eu tenha só me encontrado...
Ou quem sabe o mundo mudou de cor,
E aqueles sonhos que eram preto branco,
Foram pincelados nas tintas do amor;
Talvez a idade que chegou de vez,
Encurtando o passo que já são raros,
Mas deu-me o tempo de encontrar o tempo,
De ver o mundo com olhos claros.

E os sonhos seguem a pintar ocasos,
Com tintas frescas de um brilhar agreste,
E três homens chegam, com quatro cavalos,
E eu os reconheço, são seres celestes...

Há muito tempo que veem em sonho,
(Talvez a vida foi quem quis assim)...
Os dois de branco, eu os reconheço,
São anjos cálidos, são querubins,
Que trazem encanto, aos olhos meus,
E por certo não veem ditar meu fim,
...pois o Outro, eu sei, vi de longe, é Deus...
E veem trazendo um cavalo, pra mim!

sábado, 12 de agosto de 2017

De Filho pra Pai!


Pai, o senhor me ensinou,
desde o primeiro abraço,
qual o tempo é o espaço,
de que sempre me amou...
E todo o tempo que passou,
desde o meu primeiro dia,
seriam, afagos de alegria...
guardadas dentro da gente,
que se fariam presentes...
No mundo que eu teria.

Vieram os dias a contragosto,
e aos poucos eu fui crescendo...
Pelo tempo fui aprendendo,
as alegrias e os desgostos...
Quando eu via em seu rosto,
os sulcos marcados da dor...
Mas sempre o mesmo calor,
Carinho, afago, compaixão,
e me carregastes pela mão...
com seu exemplo, de amor.

Aos poucos eu fui entendendo,
que é o amor que constrói...
E um Pai torna-se o herói,
mesmo quando não está podendo,
Se por dentro está sofrendo...
as dores e percausos da vida,
Por fora, tem a dor escondida,
mesmo de coração em pedaços,
Sobra-lhe o conforto do abraços,
embora as chagas e feridas.

E a gente vai ganhando asas,
e o Pai fica lá na distância...
tudo o que se aprende na infância,
(os bons exemplos de casa)...
se apagam com frias brasas,
O Pai vira um velho, antiquado,
...que vive lá no seu passado...
não sabe nada da evolução,
Careta, antigo, sem noção...
É apenas um pobre coitado.

O tempo passa e cobra o preço,
...(preço da dor da consciência),
e o Pai com a sua experiência,
Então volta tudo ao começo...
Vê nos netos um novo recomeço,
pras suas experiências de vida,
Lembrando estórias esquecidas...
Que os filhos não querem ouvir,
tentando novamente, construir...
o que pelo tempo, fora perdida.

O Pai, que é filho envelhece,
tendo seu Pai mais distante,
O Avô já não se vê o bastante,
nos netos que também crescem,
E o ciclo da vida nos parece...
uma roda que nunca descansa,
e o peso importante da balança,
Nos deixa, pela longa idade...
E o Pai então vira saudade,
E leva a mais rica das heranças.

E agora choramos sua ausência,
Lembramos cada momento vivido,
Alguns, de coração partido...
outros é a dor da consciência,
Tiveram toda uma existência,
para estarem junto à seus Pais...
- mas eram momentos banais...
“Ele não vivia no mundo da gente”,
Ficou no passado... e o presente?...
...o presente roubou-te e nunca mais!

Tenho pena de quem viveu...
...não tendo o Pai, ao seu lado!
ou destes que estão condenados,
num asilo, que o filho esqueceu,
Pois, hoje, eu queria ter o meu...
e voltar a ser guri novamente,
Talvez eu faria tudo diferente...
Pararia no tempo e no espaço,
para ter o calor de um abraço,
e o senhor aqui junto da gente.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Para vivermos esse amor!

Não...não me perguntes porque eu te amo,
...se é esse amor que me faze bem!

Como posso não te amar?
- se a tua voz é canção para meus ouvidos,
e as palavras soam hinos de uma melodia de paz;
- se o teu sorriso franco e encantos de mulher,
se desfolham, no amarelar de um  bem me quer,
e causam inveja, nas flores do meu jardim!

Como posso não te amar?
Se o amor, é flor que floresce e ao corpo emudece,
em formas de prece, de sonhos e de encanto...
e transformam as lágrimas doidas, das dores da vida,
que estão de partida, em lírios dos campos.

Amor que se agiganta em sons e palavras.
Amor que aconchega, que acarinha e não acaba.
Amor sincero, luzeiro de estrelas cadentes,
Que se fazem presentes aos olhos do bem...
E quando a noite se achega, se deita em pelegos,
...buscando o achego, do amor que se tem!

Meu mundo pequeno, de fundo de campo...
Galpão quinchado de estrelas e de luas,
De primaveras floridas a embeber saudades,
Que são na verdade, só lembranças tuas.

Cuscos amarrados, no fundo do rancho...
Galpão varrido... tramela pra fora...
Chimarrão a capricho, dois pingos encilhados,
E um amor sufocado a me cortar de esporas.

Vivo os meus dias numa ilusão e sonhos...
Lidando com brutos, ponteando corredor,
E nas noite brasinas, de solidão e guitarra,
A saudade faz farra a contemplar minha flor.

Como posso não te amar?
Se venho de outro tempo...
e se ouço nos sussurros do vento,
...a tua voz, falando pra mim.
E o cheiro doce dos jasmins,
Inundado com o teu perfume,
Se camélias, choram de ciúme;
Se as Rosas pedem atenção...
Porque a vida floriu num galpão...
Que vivia na dor, da escuridão,
E hoje, inundou-se de flor...
não tem escuridão e nem dor,
Colorido a sonhos e primaveras,
Que mesmo ao longe, te espera...
Para vivermos esses amor!


sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Romance de Primavera!

A primavera chegou!...
Chegou florindo a copa dos Ipês solitários...
Tapeteando a grama verde da coxilha adormecida,
Que se arrasta sob ponchos de Maria-mol, em flor.

Chegou trazendo nas gotas do orvalho cristalino,
O brilho das pérolas que a noite fria espalhou;
E na cantiga do vento pampiano, uma melodia triste,
Com versos quebrados ao meio que a Pampa recitou.

Chegou levando a madrugada no bico de um galo novo,
Deixando estalos de gravetos, se debulhando em brasas,
E num mate topetudo, o gosto amargo da dor...
Dessas saudades de amor com a lembrança das casas.

Há! Primavera... Dizem que um homem não chora!
- mas como dói a saudade da china que a gente ama...
que, às vezes, até perde o sentido, na busca do dia novo,
com imagens repentinas, pelo bailado das chamas.

Os primeiros raios do sol vão beijando o campo vasto,
Desenhando nas coxilhas sombras de nuvens cardadas...
Que se arrastam nos aguapés, nas guanxumas e maçanilhas,
Espelhando um céu azul, sobre o vidro das aguadas.

A gente que gasta a vida sobre o recals de um cavalo...
Sem tempos pra despedida, nem prum farrancho qualquer,
Anda por aí, pelas estâncias, domando potros alheios...
Às vezes, tem que achar tempo, pras carícias de uma mulher.

É isso que hoje eu faço. Boto minha pilcha domingueira,
Encilho um baio encerado que é pra horas de precisão...
E tomo o rumo do bolicho, num galopão apressado,
Que a linda do meu agrado já me espera no portão.

Ela!...Ela é a flor mais bela que um par de olhos já viu!
(cabelos negros cacheados, banhados em águas de sanga),
- Escondendo na tez macia, aquele perfume da açucena...
...que enfeita a pele morena com os lábios cor de pitanga.

Esta é a mulher da minha vida! - mesmo ainda sem tê-la,
...que até o brilho das estrelas, se ofuscam junto dela...
suas carícias são remansos de uma água cristalina,
que noite morna ilumina na moldura de uma janela.

Por isso venho encontrá-la, (matando minha sede de amar),
Pois preciso do teu olhar pra'os sonhos que são quimeras,
Sorvendo o néctar da vida, qual a abelha que suga a flor...
Para me encantar de amor, num romance de primavera;

Na Sombra de uma Carreta!

Ney Moreira da Silva e Paulo Ricardo Costa
Foi numa sombra de carreta,
Que este Rio Grande se ergueu,
Num tempo que se perdeu...
Por entre a poeira e a distância,
Quando o sonho e a esperança,
Pareciam, até, serem reais,
Os Homens tinham ideais,
Na fé que vinha de herança.

No silêncio de uma estrada,
Num coxilhão, descampado,
O rangido triste e marcado...
Era como um grito de alerta,
De uma Pátria que desperta,
De um sono de retrocesso,
Ponteando notas ao progresso,
E para memória dos poetas.

Quatro juntas afinadas...
Desde o coice até a ponta,
E um sonho tomando conta,
Nas mãos férteis do carpinteiro,
Varilha, mata-bois e o fueiro,
Mesa, seva e o assoalho...
Chavelha, muchacho e cabeçalho,
E um sonho de carreteiro.

Um toldo, feito a capricho...
Para os invernos terrunhos,
Desenhado de próprio punho,
Coisas que a vida ensina...
Cambota, raios e buzina,
Rodados, cheda e cambão,
São partes de um carretão,
As tábuas de madeira fina.

Canga leve e bem feita,
Quatro canzis de primeira,
Ajoujo, brocha e rejeira,
Aspas de lua minguante,
E a carreta vai adiante...
Vergando os sulcos da terra,
Bombeando campos taperas,
Na solidão de um andante.
  
Por anos foi deste jeito,
Levando bóia pra o povo,
Só de lembrar, me comovo,
Daquela imagem que não sai,
E até uma lágrima me trai...
Cortando a fios de navalha,
Bombacha rota, chapéu de palha,
E um sorriso do meu Pai.

E sempre que ele voltava...
A carreta nunca vinha vazia,
Nos seus olhos a alegria,
Deste mundo que ele quis,
Nos meus sonhos de aprendiz,
Já me via um carreteiro...
Levando ao mundo povoeiro,
Nosso jeito de ser feliz.

Mas, um dia veio o progresso...
Rugindo a berro de motor,
E o carreteiro perdeu o valor,
Nesta ganância desenfreada,
Já não haviam mais pousadas,
Pelo silenciar das sarjetas,
E nem sombras de carretas,
Pelo beiral das estradas.

O mundo, hoje, tem pressa,
E os bois tranqueiam lentos...
O Homem já não tem tempo,
Com suas máquinas potentes,
Lembram-se do que é presente,
Vivendo o mundo agitado,
Como se os tempos passados...
Não importassem pra gente.

Pra muitos, não restaram nada,
Vagando diante as cancelas...
Ou pelas toscas favelas,
Na parte fétida das cidades,
Na mais cruel desigualdade,
Que separa, seres iguais...
Vivendo pior que animais,
Frente aos olhos da sociedade.

E o “marimbondo” da picana,
Hoje, me crava o coração,
Com a dor do seu ferrão,
Nesta saudade que afago,
Vivendo longe do pago...
Quando rebusco os sentidos,
Ainda escuto um rangido...
Pelas lembranças que trago.

Àquele sonho de carreteiro,
Que pelo tempo se foi...
Restou-me a sina dos bois,
Diante de grades e cimentos,
Ajoujando ressentimentos...
Com os mesmos olhos de bicho,
Comendo as sobras do lixo...
E mendigando o meu sustento.

É assim que, hoje, me encontro,
Excluso ao mundo que fiz...
Sou mais um ser, infeliz...
Sem teto, sem casa, sem chão,
Vertendo sangue das mãos,
Junto ao esgoto, das sarjetas,
Numa sombra de carreta...

Carregada de papelão.

NO TEMPO DAS CARRETAS!


No tempo das carretas até o tempo era diferente...
As casas, já pareciam terem nascidas velhas,
Com moças debruçadas nas soleiras das janelas,
Invejavam os jasmineiros, entre Rosas e Camélias.

No tempo das carretas tudo andava lentamente...
Até as horas eram marcadas pelo compasso do sol,
As madrugadas bocejavam pelo cogote dos cerros,
E o serenal tapeteava os ponchos de Maria-mol.

O homem tirava da lida todo o sustento da casa...
No coice forte do arado faziam vergas no rosto,
Vendo uma penca de filhos, pela Mãe serem educados,
Onde a palavra respeito saia da boca com gosto.

As estradas eram longas e os corredores apertados,
Os sonhos eram tantos que se perdiam na memória,
E ao tranco lento das juntas numa carreta empoeirada,
A vida abria picadas para os anais da história.

Há! No tempo das carretas, não havia tempo pra luxo,
E um homem dava valor às pequenas coisas da vida.
A Palavra empenhada valia mais que um contrato,
E os sentimentos guardados eram o sustento pra lida.

As portas abertas ao mundo no balançar das tramelas,
Destrancavam as angústias que o progresso trazia,
E o passo lento do boi já não servia para nada...
Pois o mundo tinha pressa pra evolução que surgia.

O carreteiro esquecido foi se perdendo na solidão...
Os filhos foram embora nas estradas de cimento,
As carretas viraram enfeites nas paredes dos museus,
E os homens distanciaram dos seus próprios sentimentos.

Hoje o mundo tem pressa, não há mais tempo pra nada,
Não há um aperto de mão, nem o calor de um abraço,
Não há uma palavra de carinho, nem mesmo um afago de Pai,
Hoje até um filho te trai e os amigos andam escassos.

Não sei, se eu que estou velho ou é essa tal de saudade,
Que faz o peito da gente buscar nas coisas do passado,
Àquele tempo guardado na lentidão da memória...
Que um dia fez a história, nas linhas deste legado.

Eu sei que as coisas mudam, que até o tempo tem pressa,
Mas que a vida me entenda e não me condene à maleita,
Para encontrar na minha velhice, o tempo bom que se foi,
Possa eu morrer, ao tranco do boi, sob um toldo de carreta.


A VIDA NÃO ME ENSINOU!

A vida não me ensinou que a hipocrisia destrói...
Que o ódio é um amor que não se constrói,
E o sentimento são dores que habitam a alma;
A vida não me ensinou que um amigo não se busca,
Que a noite é um dia novo que se ofusca...
E dorme para que a vida se torne um tanto mais calma.

A vida não em ensinou que há amores passageiros,
Que se escondem para outros amores interesseiros...
Vir rondar as portas de um coração, sem coração,
A vida não em ensinou um verbo chamado perdoar,
E que há no erro uma vontade enorme de acertar...
Que muitas vezes se esconde nas mazelas da razão.

A vida não me ensinou que o tempo traz saudade,
E que as lembranças do passado, as amizades...
São tesouros preciosos que ao tempo se apagarão,
E que apesar desse meu jeito simples e triste...
Dá-me uma vontade de por o dedo em riste,
E gritar para que conheçam o que é à força do perdão.

A vida não me ensinou que somos todos iguais,
A dar benção para Mãe, um beijo doce no Pai...
A abraçar um amigo não só na hora da partida,
A vida não me ensinou a ter o aconchego da casa,
Um fogão de lenha, com um fogo de brasa...
E um café de chaleira borbulhando pra vida.

A vida não ensinou que rio é água de uma fonte...
Que nasce “pequenina” bem lá no pé do monte,
E depois se agiganta para dar vida aos homens,
E que os homens são feras que matam a terra...
E depois se destroem na ganância da guerra,
Alimentando o poder com os olhos da fome.

A vida não me ensinou que o passado é lembrança,
E que o futuro não está só nos olhos da criança...
Crianças que vivem pelas ruas abandonadas.
A vida não me ensinou que eu posso ajudá-las,
E que a mesma mão que ao berço embala...
Também as empurra para o frio das calçadas.

A vida não me ensinou tanta coisa qu’eu não sei,
Que talvez se eu soubesse o tempo que já passei...
Tornaria sem graça o meu jeito simples de viver,
E quem sabe metido na arrogância dos que sabem tudo,
Talvez eu tivesse esta ganância como escudo...
Que rompe a alma e o coração de cada ser.

Por isso, hoje, não cobro o que a vida não me ensinou,
Porque esse coração, que é terno e há tantos, amou,
Ainda ama as coisas simples, com o seu valor...
E a humildade, que o foi o berço que me embalou,
Deu-me a maior lição que a vida já me ensinou...
Que somos filhos de um mesmo Deus!...O Deus do amor.


A Don Inácio!


Don Inácio foi campeiro,                             ..
Foi tropeiro e changueador,                           
Foi guerreiro e peleador...                              
Foi posteiro e capataz,                                  .
Semeava léguas de paz,                                
Da vida rude e macabra,                                
Depois de dar a palavra,                                
Por nada voltava atrás.                                 

No silêncio da coxilha,                                 
Lá donde fez seu reinado,                               
Ergueu um rancho sombreado,                      
Por braços de cinamomos,                             
Para passar os outonos...                                
Entre o Itú e o Espinilho,                             
Junto da mulher e dos filhos,                               
No aconchego do seu trono.                          

Um dia explodiu a guerra,                             
Pelos campos do Rio Grande,                       ..
Deixando carne com sangue,                         
Em cada palmo deste chão,                          
Era irmão matando irmão...                      
Em vinganças desenfreadas,             
Com famílias, dizimadas,                             
Numa tal de revolução.                                 

Vinha o eco da tirania,                               
Pelo Sul deste Brasil,                                 
Fazendo o berro do fuzil,                            
Calar a lança e a adaga,                               
(Em cada vida que se apaga,                          
Com a gana dos infiéis...                               
Erguem brindes aos Coronéis),                      .
E a ganância se propaga.                             

Don Inácio foi chamado,
Para mais esta empreitada,
Deu adeus, à mulher amada,
Encilhou bem o tordilho...
Trouxe o genro e o filho,
Mais uma frente guerreira,
Pra num Capão de Laranjeira,
Calar a voz de um Caudilho.

Ele só queira a justiça...
Destas que a história apaga,
Teve estaqueado na adaga,
 Um Coronel, dos "oposto"...
 Olhando bem no seu rosto,

 Com alguns instantes de paz,
 Mostrando que são iguais,
 Independente do Posto.

Esta é a verdade que clama,
Pra quem deturpa a história,
Don Inácio, hoje, é memória,
 É tento forte de um laço...
Cruzando o tempo e o espaço,
Para quem segue seu rasto,
Ficaram três cruzes no pasto,
Nas barrancas do Caripasso.

Diante delas que me ajoelho,
Num silêncio de oração...
Tentando encontrar razão,
Para esta alma impertinente,
- Como pode, no presente..
Onde a vida tem um custo,
Don Inácio não ter um busto,
 Para a memória desta gente?

Talvez um dia, ainda veja,
Um monumento erguido...
Pra que não sejas esquecido,
 Nesta Pátria Riograndense,
Se, esta terra, nos pertence,
É porque num tempo atrás,
Alguém peleou pela paz...
Neste torrão Assisense.

Por que não há riso, nas fotografias?

Os tempos eram outros, eu sei bem,
mas por que será que não há riso, nas fotografias?
Seria a dor de um tempo amargo...
Em que a carranca dos homens estampava os medos?
Ou seriam as casas, com suas paredes frias,
Que não tinham espaço para um calor humano?
Quem sabe a morte que rondava os ranchos
e semeava corpos em guerras inúteis...
Que trazia a angústia no destrancar das tramelas,
espichando olhares em ranchos fundos.

As senzalas guardavam fétidas lembranças,
pelas correntes enferrujadas do tempo:
...onde o gemido dos açoites, era ouvido,
na escuridão das noites, sem lua e sem estrelas;
...enraizado nos troncos que prenderam rebeldia,
no chicote brutal da ignorância.

Por que será que não há riso, nas fotografias?
Será porque os Homens eram covardes,
e se escondiam nas suas próprias leis?
- famintos, da ira cruel de quem maltrata,
de quem escraviza, de quem mata?
- de quem fazia gente de animal,
na brutalidade sórdida, pra sua gana de ateu?

Será que um dia, esses Homens riram?
ou a desgraça que rondava as suas almas,
castigaram-lhes da ausência de um sorriso?
E o poder que as leis, torpes, lhe incumbiram,
trancaram-lhes nas masmorras da dor...
na solidão que saparam os infelizes!

De que valeu tanta riqueza?
De que valeu esse poder?
E que valeu tanta nobreza?
De que valeram as casas grandes,
(redecoradas de cristais e prata),
com mesas fartas para alimentar um só!

De que valeram os anéis de ouro?
Os lençóis de seda?
Os lustres polidos?
As estrelas bordadas de um coronel sem tropa!

- Talvez, sorrisos fossem metais preciosos,
que olhares pobres não deixavam ver;
- Talvez fossem, a joia rara, que o valor
da plata não conseguiu comprar!
- Talvez a distância que separavam os homens,
era bem maior do que as palavras doces...
...e os olhares tesos que enegrecia as cores,
não vislumbravam sonhos para colorir o tempo.

Por que será que não há riso, nas fotografias?
Talvez o riso seja a evolução do mundo...
da modernidade que coloriu retratos,
e fez dos senhores, lembranças antigas,
na vã memória, dessas folhas velhas...
...ou quem sabe os homens descobriram a vida
que palmeia a paz, num sorriso largo...
e se deram conta que poder e dinheiro,
não é o suficiente para ser feliz!

Pois o sorriso que os retratos não tinham,
é o sinônimo de uma felicidade nova...
quando o homem descobriu que a guerra,
só alimenta a estupidez e o ódio;
Que o poder é a infâmia dos fracos,
e que o dinheiro só serve para separar,
aprisionando em grades, seres libertos,
e alimentando a falsidade na lei dos infiéis.

Tenho pena desses homens de antigamente!
que retrataram um mundo triste...
...enegrecido na palidez de um retrato,
(que a dor do tempo amarelou de vez).
Pois desconheceram a simplicidade da vida...
o bem maior guardado em nós...
- A magia de um sorriso...
...sorriso de quem é feliz!

Uma tora de fundamento!

Não... não é por medo das cobras,
Que um taura se enforquilha...
Nem pra contemplar a coxilha,
Quando a saudade lhe cobra,
É por que um ventena se dobra,
Na xucra sina dos malos...
E vai tenteando no embalo,
A tirar do lombo, o vivente,
E só o calor das sete dentes,
Para dobrar um cavalo.

Não pensem que esses potros,
Se aporreiam por direito...
Não pensem que há outro jeito,
Quando vem um e vai outro...
Os bichos já nascem marotos,
Com rebeldias de ventenas...
E um taura não pode ter pena,
Porque esta lida é ingrata...
E só o peso de um tala chata,
E um talarear de chilenas.

Ninguém tem cimas de “loco”,
De brincar com o que é sério...
Mas é triste a sina do gaudério,
Que, da montaria faz pouco...
E quando arruma um choco,
N’algum ninho de macega...
É porque o bocudo se pega,
Jogando a vida com a sorte...
De pronto toureia a morte,
Que por ser bruxa, renega.

Por isso aprendi desde cedo,
A tirar coscas dos maulas...
Que não se prendem em jaulas,
Tão pouco guardam os medos,
Mas quando a força dos dedos,
Se entrelaçam numa trança...
Um taura traz de herança...
O aprendizado dos antigos,
E se vai toureando o perigo,
Pelos costumes que avança.
  
Mas um dia a sina maleva...
Dessas que chegam de manso,
“Balança a cola do ganso...”
E quase conheci as trevas,
Pois o tempo em que se leva,
Entre a vida e a morte...
É como uma xerenga de corte,
Atorando um tento macio...
Sentindo a angustia do fio,
Fraquejando a sina dos fortes.

Naquela segunda feira,
Eu voltava de um cambicho,
Depois de dias num bolicho,
Carteando a vida em borracheira,
Perdi tudo nas carreira...
Nesses picholeios de domingo,
Restou-me o poncho e o pingo,
E o rumo grande, das casas...
Mas quando um peão se atrasa,
É triste ver os respingos.

Cheguei na estância cedito,
Com sol de meia braça...
Andava jogado às traças,
Por um romance esquisito,
Desses de se ficar solito,
Contemplando noites e luas,
Co’a alma sentindo-se nua...
De uma saudade medonha,
Que a gente sempre sonha,
Tenteando ao golpe das puas.

Bocal, tento e rendilha...
E a coragem de contra posto,
Quem monta sempre por gosto,
Não pode refugar encilha,
Mas enfrentar uma tordilha,
Depois da noite comprida,
É sentir a alma partida...
De um corpo esgualepado,
Que há muito já vem judiado,
Pelos tironeios da vida.

São dois loucos em desatino,
Sentindo os golpes, à puaço...
Sustentando o corpo no braço,
Sofrendo o mesmo destino,
O mango em notas de um hino,
Vai contraponteando ao vento,
Externando um sentimento,
Sarandeando no mesmo embalo...
Um taura, solito e um cavalo,
Numa tora de fundamento!!!!