quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Funeral em Campo aberto!

O dia amanheceu cinzento, por sinal!
Com cara de sono nos olhos da madrugada,
E uma cantiga de dor pelo aço das esporas,
E rangidos tristes pelo sonar dos bastos.

O dia amanheceu cinzento, por sinal!
Os cuscos não brincaram ao redor da encilha...
E um berro de touro quebrou o silêncio das horas,
Com o vento minuano, gemendo, num canto funeral.

Desde as horas do mate, que um pensamento de vinha,
Lembrei dos olhos da prenda, do sorriso de sanga...
...da maciez de suas mãos me alcançando o mate,
E do corpo quente no catre, pelo abraço que tinha.

Guardei no ouvido, como melodia de guitarra,
O sussurrar de sua voz em acalanto e nostalgia,
E retruquei a rebeldia num ultimo gole de mate.
Encostei cuia e cambona no baldrame cascurrento,
mas com o mesmo sentimento, me apertando o coração,
e fui buscar a liberdade, lá onde a dor e a saudade,
não dão tempo para a solidão!

O dia amanheceu cinzento, por sinal!
Alcei a perna no mouro, como eu sempre fazia,
quebrando a geada fria a ponta de cascos,
e me largava campo afora, ouvindo o cricritar da espora,
em rondas e recorridas...
Um pouco, para esquecer a vida...
...que às vezes se faz de ingrata e a um peito maltrata,
só para mostrar o seu valor!

Costeei um capão de mato, depois uma picada,
...um coxilhão, uma sanga de pedras mouras...
...um descampado de vassoura e logo mais o lagoão.
Um lote de vacas pampas pastando no serrilhado,
outro lote de bois colorados, ali na outra invernada,
e bem no meio à estrada que leva até ao pontão.

Meu peito trazia angústias pelo silêncio das horas,
Nem a cantiga da “coscoja” era acalanto pra alma,
Nem o acôo dos cuscos no voo de uma perdiz...
...nada parecia quebrar aquele quietude e a calma.

Mas a vida traz escrita o que jamais se espera,
Frases que não são ditas e nem se lê...
E a calma vira angústia, vira lamento e vira dor...
...e o tempo jamais explica o que está para acontecer.

Um zebu aspa de lua costeia à cerca da divisa,
Tenteando fazer costado as vacas pampa da invernada,
E outro Pampa valente retrucando a sua bravura...
Cuidando a rebeldia sem se importar com mais nada.

Olhei a cena ao longito: o zebu tenteando a esgrima,
...como se trama e palanque não tivessem serventia,
E o pampa escarvando terra, mostrava as armas de guerra,
...como se campo e serra, fossem a razão do que se via.

Meti a espora no mouro como quem chama pra lida,
E aticei dois coleira indo de encontro com o touro,
Mas o zebu na sua ânsia de ser o dono do rodeio,
Não se importou com o reio nem a presença do mouro.

Berrando como patrono de um trono que não é seu,
Se botou na cachorrada pegando no mesmo embalo...
E veio de encontro ao mouro com suas aspas de lua,
Ponteando como duas puas, nas paletas do meu cavalo.

Foi um estrondo e um berro, acordando a tarde vazia,
E o sangue que escorria pelas aspas do touro...
A cachorrada garroneando e um maula ali acoçado,
Vendo o um taura estirado sobre o corpo do mouro.

O touro ganhou o mato a grito e dente de cusco,
E eu fiquei com o susto, mas com a vida por certo,
...como balaço no peito, ardendo à sina dos malos,
Ter que sangrar um cavalo, num funeral em campo aberto!

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