sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Romance de Primavera!

A primavera chegou!...
Chegou florindo a copa dos Ipês solitários...
Tapeteando a grama verde da coxilha adormecida,
Que se arrasta sob ponchos de Maria-mol, em flor.

Chegou trazendo nas gotas do orvalho cristalino,
O brilho das pérolas que a noite fria espalhou;
E na cantiga do vento pampiano, uma melodia triste,
Com versos quebrados ao meio que a Pampa recitou.

Chegou levando a madrugada no bico de um galo novo,
Deixando estalos de gravetos, se debulhando em brasas,
E num mate topetudo, o gosto amargo da dor...
Dessas saudades de amor com a lembrança das casas.

Há! Primavera... Dizem que um homem não chora!
- mas como dói a saudade da china que a gente ama...
que, às vezes, até perde o sentido, na busca do dia novo,
com imagens repentinas, pelo bailado das chamas.

Os primeiros raios do sol vão beijando o campo vasto,
Desenhando nas coxilhas sombras de nuvens cardadas...
Que se arrastam nos aguapés, nas guanxumas e maçanilhas,
Espelhando um céu azul, sobre o vidro das aguadas.

A gente que gasta a vida sobre o recals de um cavalo...
Sem tempos pra despedida, nem prum farrancho qualquer,
Anda por aí, pelas estâncias, domando potros alheios...
Às vezes, tem que achar tempo, pras carícias de uma mulher.

É isso que hoje eu faço. Boto minha pilcha domingueira,
Encilho um baio encerado que é pra horas de precisão...
E tomo o rumo do bolicho, num galopão apressado,
Que a linda do meu agrado já me espera no portão.

Ela!...Ela é a flor mais bela que um par de olhos já viu!
(cabelos negros cacheados, banhados em águas de sanga),
- Escondendo na tez macia, aquele perfume da açucena...
...que enfeita a pele morena com os lábios cor de pitanga.

Esta é a mulher da minha vida! - mesmo ainda sem tê-la,
...que até o brilho das estrelas, se ofuscam junto dela...
suas carícias são remansos de uma água cristalina,
que noite morna ilumina na moldura de uma janela.

Por isso venho encontrá-la, (matando minha sede de amar),
Pois preciso do teu olhar pra'os sonhos que são quimeras,
Sorvendo o néctar da vida, qual a abelha que suga a flor...
Para me encantar de amor, num romance de primavera;

Na Sombra de uma Carreta!

Ney Moreira da Silva e Paulo Ricardo Costa
Foi numa sombra de carreta,
Que este Rio Grande se ergueu,
Num tempo que se perdeu...
Por entre a poeira e a distância,
Quando o sonho e a esperança,
Pareciam, até, serem reais,
Os Homens tinham ideais,
Na fé que vinha de herança.

No silêncio de uma estrada,
Num coxilhão, descampado,
O rangido triste e marcado...
Era como um grito de alerta,
De uma Pátria que desperta,
De um sono de retrocesso,
Ponteando notas ao progresso,
E para memória dos poetas.

Quatro juntas afinadas...
Desde o coice até a ponta,
E um sonho tomando conta,
Nas mãos férteis do carpinteiro,
Varilha, mata-bois e o fueiro,
Mesa, seva e o assoalho...
Chavelha, muchacho e cabeçalho,
E um sonho de carreteiro.

Um toldo, feito a capricho...
Para os invernos terrunhos,
Desenhado de próprio punho,
Coisas que a vida ensina...
Cambota, raios e buzina,
Rodados, cheda e cambão,
São partes de um carretão,
As tábuas de madeira fina.

Canga leve e bem feita,
Quatro canzis de primeira,
Ajoujo, brocha e rejeira,
Aspas de lua minguante,
E a carreta vai adiante...
Vergando os sulcos da terra,
Bombeando campos taperas,
Na solidão de um andante.
  
Por anos foi deste jeito,
Levando bóia pra o povo,
Só de lembrar, me comovo,
Daquela imagem que não sai,
E até uma lágrima me trai...
Cortando a fios de navalha,
Bombacha rota, chapéu de palha,
E um sorriso do meu Pai.

E sempre que ele voltava...
A carreta nunca vinha vazia,
Nos seus olhos a alegria,
Deste mundo que ele quis,
Nos meus sonhos de aprendiz,
Já me via um carreteiro...
Levando ao mundo povoeiro,
Nosso jeito de ser feliz.

Mas, um dia veio o progresso...
Rugindo a berro de motor,
E o carreteiro perdeu o valor,
Nesta ganância desenfreada,
Já não haviam mais pousadas,
Pelo silenciar das sarjetas,
E nem sombras de carretas,
Pelo beiral das estradas.

O mundo, hoje, tem pressa,
E os bois tranqueiam lentos...
O Homem já não tem tempo,
Com suas máquinas potentes,
Lembram-se do que é presente,
Vivendo o mundo agitado,
Como se os tempos passados...
Não importassem pra gente.

Pra muitos, não restaram nada,
Vagando diante as cancelas...
Ou pelas toscas favelas,
Na parte fétida das cidades,
Na mais cruel desigualdade,
Que separa, seres iguais...
Vivendo pior que animais,
Frente aos olhos da sociedade.

E o “marimbondo” da picana,
Hoje, me crava o coração,
Com a dor do seu ferrão,
Nesta saudade que afago,
Vivendo longe do pago...
Quando rebusco os sentidos,
Ainda escuto um rangido...
Pelas lembranças que trago.

Àquele sonho de carreteiro,
Que pelo tempo se foi...
Restou-me a sina dos bois,
Diante de grades e cimentos,
Ajoujando ressentimentos...
Com os mesmos olhos de bicho,
Comendo as sobras do lixo...
E mendigando o meu sustento.

É assim que, hoje, me encontro,
Excluso ao mundo que fiz...
Sou mais um ser, infeliz...
Sem teto, sem casa, sem chão,
Vertendo sangue das mãos,
Junto ao esgoto, das sarjetas,
Numa sombra de carreta...

Carregada de papelão.

NO TEMPO DAS CARRETAS!


No tempo das carretas até o tempo era diferente...
As casas, já pareciam terem nascidas velhas,
Com moças debruçadas nas soleiras das janelas,
Invejavam os jasmineiros, entre Rosas e Camélias.

No tempo das carretas tudo andava lentamente...
Até as horas eram marcadas pelo compasso do sol,
As madrugadas bocejavam pelo cogote dos cerros,
E o serenal tapeteava os ponchos de Maria-mol.

O homem tirava da lida todo o sustento da casa...
No coice forte do arado faziam vergas no rosto,
Vendo uma penca de filhos, pela Mãe serem educados,
Onde a palavra respeito saia da boca com gosto.

As estradas eram longas e os corredores apertados,
Os sonhos eram tantos que se perdiam na memória,
E ao tranco lento das juntas numa carreta empoeirada,
A vida abria picadas para os anais da história.

Há! No tempo das carretas, não havia tempo pra luxo,
E um homem dava valor às pequenas coisas da vida.
A Palavra empenhada valia mais que um contrato,
E os sentimentos guardados eram o sustento pra lida.

As portas abertas ao mundo no balançar das tramelas,
Destrancavam as angústias que o progresso trazia,
E o passo lento do boi já não servia para nada...
Pois o mundo tinha pressa pra evolução que surgia.

O carreteiro esquecido foi se perdendo na solidão...
Os filhos foram embora nas estradas de cimento,
As carretas viraram enfeites nas paredes dos museus,
E os homens distanciaram dos seus próprios sentimentos.

Hoje o mundo tem pressa, não há mais tempo pra nada,
Não há um aperto de mão, nem o calor de um abraço,
Não há uma palavra de carinho, nem mesmo um afago de Pai,
Hoje até um filho te trai e os amigos andam escassos.

Não sei, se eu que estou velho ou é essa tal de saudade,
Que faz o peito da gente buscar nas coisas do passado,
Àquele tempo guardado na lentidão da memória...
Que um dia fez a história, nas linhas deste legado.

Eu sei que as coisas mudam, que até o tempo tem pressa,
Mas que a vida me entenda e não me condene à maleita,
Para encontrar na minha velhice, o tempo bom que se foi,
Possa eu morrer, ao tranco do boi, sob um toldo de carreta.


A VIDA NÃO ME ENSINOU!

A vida não me ensinou que a hipocrisia destrói...
Que o ódio é um amor que não se constrói,
E o sentimento são dores que habitam a alma;
A vida não me ensinou que um amigo não se busca,
Que a noite é um dia novo que se ofusca...
E dorme para que a vida se torne um tanto mais calma.

A vida não em ensinou que há amores passageiros,
Que se escondem para outros amores interesseiros...
Vir rondar as portas de um coração, sem coração,
A vida não em ensinou um verbo chamado perdoar,
E que há no erro uma vontade enorme de acertar...
Que muitas vezes se esconde nas mazelas da razão.

A vida não me ensinou que o tempo traz saudade,
E que as lembranças do passado, as amizades...
São tesouros preciosos que ao tempo se apagarão,
E que apesar desse meu jeito simples e triste...
Dá-me uma vontade de por o dedo em riste,
E gritar para que conheçam o que é à força do perdão.

A vida não me ensinou que somos todos iguais,
A dar benção para Mãe, um beijo doce no Pai...
A abraçar um amigo não só na hora da partida,
A vida não me ensinou a ter o aconchego da casa,
Um fogão de lenha, com um fogo de brasa...
E um café de chaleira borbulhando pra vida.

A vida não ensinou que rio é água de uma fonte...
Que nasce “pequenina” bem lá no pé do monte,
E depois se agiganta para dar vida aos homens,
E que os homens são feras que matam a terra...
E depois se destroem na ganância da guerra,
Alimentando o poder com os olhos da fome.

A vida não me ensinou que o passado é lembrança,
E que o futuro não está só nos olhos da criança...
Crianças que vivem pelas ruas abandonadas.
A vida não me ensinou que eu posso ajudá-las,
E que a mesma mão que ao berço embala...
Também as empurra para o frio das calçadas.

A vida não me ensinou tanta coisa qu’eu não sei,
Que talvez se eu soubesse o tempo que já passei...
Tornaria sem graça o meu jeito simples de viver,
E quem sabe metido na arrogância dos que sabem tudo,
Talvez eu tivesse esta ganância como escudo...
Que rompe a alma e o coração de cada ser.

Por isso, hoje, não cobro o que a vida não me ensinou,
Porque esse coração, que é terno e há tantos, amou,
Ainda ama as coisas simples, com o seu valor...
E a humildade, que o foi o berço que me embalou,
Deu-me a maior lição que a vida já me ensinou...
Que somos filhos de um mesmo Deus!...O Deus do amor.


A Don Inácio!


Don Inácio foi campeiro,                             ..
Foi tropeiro e changueador,                           
Foi guerreiro e peleador...                              
Foi posteiro e capataz,                                  .
Semeava léguas de paz,                                
Da vida rude e macabra,                                
Depois de dar a palavra,                                
Por nada voltava atrás.                                 

No silêncio da coxilha,                                 
Lá donde fez seu reinado,                               
Ergueu um rancho sombreado,                      
Por braços de cinamomos,                             
Para passar os outonos...                                
Entre o Itú e o Espinilho,                             
Junto da mulher e dos filhos,                               
No aconchego do seu trono.                          

Um dia explodiu a guerra,                             
Pelos campos do Rio Grande,                       ..
Deixando carne com sangue,                         
Em cada palmo deste chão,                          
Era irmão matando irmão...                      
Em vinganças desenfreadas,             
Com famílias, dizimadas,                             
Numa tal de revolução.                                 

Vinha o eco da tirania,                               
Pelo Sul deste Brasil,                                 
Fazendo o berro do fuzil,                            
Calar a lança e a adaga,                               
(Em cada vida que se apaga,                          
Com a gana dos infiéis...                               
Erguem brindes aos Coronéis),                      .
E a ganância se propaga.                             

Don Inácio foi chamado,
Para mais esta empreitada,
Deu adeus, à mulher amada,
Encilhou bem o tordilho...
Trouxe o genro e o filho,
Mais uma frente guerreira,
Pra num Capão de Laranjeira,
Calar a voz de um Caudilho.

Ele só queira a justiça...
Destas que a história apaga,
Teve estaqueado na adaga,
 Um Coronel, dos "oposto"...
 Olhando bem no seu rosto,

 Com alguns instantes de paz,
 Mostrando que são iguais,
 Independente do Posto.

Esta é a verdade que clama,
Pra quem deturpa a história,
Don Inácio, hoje, é memória,
 É tento forte de um laço...
Cruzando o tempo e o espaço,
Para quem segue seu rasto,
Ficaram três cruzes no pasto,
Nas barrancas do Caripasso.

Diante delas que me ajoelho,
Num silêncio de oração...
Tentando encontrar razão,
Para esta alma impertinente,
- Como pode, no presente..
Onde a vida tem um custo,
Don Inácio não ter um busto,
 Para a memória desta gente?

Talvez um dia, ainda veja,
Um monumento erguido...
Pra que não sejas esquecido,
 Nesta Pátria Riograndense,
Se, esta terra, nos pertence,
É porque num tempo atrás,
Alguém peleou pela paz...
Neste torrão Assisense.

Por que não há riso, nas fotografias?

Os tempos eram outros, eu sei bem,
mas por que será que não há riso, nas fotografias?
Seria a dor de um tempo amargo...
Em que a carranca dos homens estampava os medos?
Ou seriam as casas, com suas paredes frias,
Que não tinham espaço para um calor humano?
Quem sabe a morte que rondava os ranchos
e semeava corpos em guerras inúteis...
Que trazia a angústia no destrancar das tramelas,
espichando olhares em ranchos fundos.

As senzalas guardavam fétidas lembranças,
pelas correntes enferrujadas do tempo:
...onde o gemido dos açoites, era ouvido,
na escuridão das noites, sem lua e sem estrelas;
...enraizado nos troncos que prenderam rebeldia,
no chicote brutal da ignorância.

Por que será que não há riso, nas fotografias?
Será porque os Homens eram covardes,
e se escondiam nas suas próprias leis?
- famintos, da ira cruel de quem maltrata,
de quem escraviza, de quem mata?
- de quem fazia gente de animal,
na brutalidade sórdida, pra sua gana de ateu?

Será que um dia, esses Homens riram?
ou a desgraça que rondava as suas almas,
castigaram-lhes da ausência de um sorriso?
E o poder que as leis, torpes, lhe incumbiram,
trancaram-lhes nas masmorras da dor...
na solidão que saparam os infelizes!

De que valeu tanta riqueza?
De que valeu esse poder?
E que valeu tanta nobreza?
De que valeram as casas grandes,
(redecoradas de cristais e prata),
com mesas fartas para alimentar um só!

De que valeram os anéis de ouro?
Os lençóis de seda?
Os lustres polidos?
As estrelas bordadas de um coronel sem tropa!

- Talvez, sorrisos fossem metais preciosos,
que olhares pobres não deixavam ver;
- Talvez fossem, a joia rara, que o valor
da plata não conseguiu comprar!
- Talvez a distância que separavam os homens,
era bem maior do que as palavras doces...
...e os olhares tesos que enegrecia as cores,
não vislumbravam sonhos para colorir o tempo.

Por que será que não há riso, nas fotografias?
Talvez o riso seja a evolução do mundo...
da modernidade que coloriu retratos,
e fez dos senhores, lembranças antigas,
na vã memória, dessas folhas velhas...
...ou quem sabe os homens descobriram a vida
que palmeia a paz, num sorriso largo...
e se deram conta que poder e dinheiro,
não é o suficiente para ser feliz!

Pois o sorriso que os retratos não tinham,
é o sinônimo de uma felicidade nova...
quando o homem descobriu que a guerra,
só alimenta a estupidez e o ódio;
Que o poder é a infâmia dos fracos,
e que o dinheiro só serve para separar,
aprisionando em grades, seres libertos,
e alimentando a falsidade na lei dos infiéis.

Tenho pena desses homens de antigamente!
que retrataram um mundo triste...
...enegrecido na palidez de um retrato,
(que a dor do tempo amarelou de vez).
Pois desconheceram a simplicidade da vida...
o bem maior guardado em nós...
- A magia de um sorriso...
...sorriso de quem é feliz!

Uma tora de fundamento!

Não... não é por medo das cobras,
Que um taura se enforquilha...
Nem pra contemplar a coxilha,
Quando a saudade lhe cobra,
É por que um ventena se dobra,
Na xucra sina dos malos...
E vai tenteando no embalo,
A tirar do lombo, o vivente,
E só o calor das sete dentes,
Para dobrar um cavalo.

Não pensem que esses potros,
Se aporreiam por direito...
Não pensem que há outro jeito,
Quando vem um e vai outro...
Os bichos já nascem marotos,
Com rebeldias de ventenas...
E um taura não pode ter pena,
Porque esta lida é ingrata...
E só o peso de um tala chata,
E um talarear de chilenas.

Ninguém tem cimas de “loco”,
De brincar com o que é sério...
Mas é triste a sina do gaudério,
Que, da montaria faz pouco...
E quando arruma um choco,
N’algum ninho de macega...
É porque o bocudo se pega,
Jogando a vida com a sorte...
De pronto toureia a morte,
Que por ser bruxa, renega.

Por isso aprendi desde cedo,
A tirar coscas dos maulas...
Que não se prendem em jaulas,
Tão pouco guardam os medos,
Mas quando a força dos dedos,
Se entrelaçam numa trança...
Um taura traz de herança...
O aprendizado dos antigos,
E se vai toureando o perigo,
Pelos costumes que avança.
  
Mas um dia a sina maleva...
Dessas que chegam de manso,
“Balança a cola do ganso...”
E quase conheci as trevas,
Pois o tempo em que se leva,
Entre a vida e a morte...
É como uma xerenga de corte,
Atorando um tento macio...
Sentindo a angustia do fio,
Fraquejando a sina dos fortes.

Naquela segunda feira,
Eu voltava de um cambicho,
Depois de dias num bolicho,
Carteando a vida em borracheira,
Perdi tudo nas carreira...
Nesses picholeios de domingo,
Restou-me o poncho e o pingo,
E o rumo grande, das casas...
Mas quando um peão se atrasa,
É triste ver os respingos.

Cheguei na estância cedito,
Com sol de meia braça...
Andava jogado às traças,
Por um romance esquisito,
Desses de se ficar solito,
Contemplando noites e luas,
Co’a alma sentindo-se nua...
De uma saudade medonha,
Que a gente sempre sonha,
Tenteando ao golpe das puas.

Bocal, tento e rendilha...
E a coragem de contra posto,
Quem monta sempre por gosto,
Não pode refugar encilha,
Mas enfrentar uma tordilha,
Depois da noite comprida,
É sentir a alma partida...
De um corpo esgualepado,
Que há muito já vem judiado,
Pelos tironeios da vida.

São dois loucos em desatino,
Sentindo os golpes, à puaço...
Sustentando o corpo no braço,
Sofrendo o mesmo destino,
O mango em notas de um hino,
Vai contraponteando ao vento,
Externando um sentimento,
Sarandeando no mesmo embalo...
Um taura, solito e um cavalo,
Numa tora de fundamento!!!!

SOU VELHO, SIM!

Hoje, me chamaram de velho...
E riram do meu cabelo branco!
Olharam-me como se fosse um estranho,
Como, se as rugas no meu rosto...
Fossem sequelas de um tempo amargo.

Hoje, me olharam com desprezo!
Porque a idade me encurtou o passo,
Me vergou o lombo, me enrugou a fronte!
Porque a força já não é mais a mesma,
As palavras custam a vir na ideia...
E os olhos turvam pra bombear distâncias.

A vida de meu tempo moço, era outra;
Mais amarga, talvez!
Mais crua, quem sabe!
Mais rude, certamente!
Mas os homens não morrem no tempo,
Apenas deixam o tempo passar,
E guardam a parte boa, de lembrança.

O meu jeito de ver o mundo, a passos lentos,
Não me fez diferente, tão pouco estranho,
Não me fez melhor... e nem pior!
Do que eu era, do que eu fui, do que eu sou.

Se o tempo corre e eu não, pouco importa!
Pois não estou competindo com o tempo,
Nem com as horas, nem com o mundo...
Minha vitória, são meus dias...
Meu prêmio, são minhas rugas...
Meu troféu, são meus cabelos brancos;
Então eu venci!
Não me olhes como um perdedor...
Não me olhes com pena...
Que não sou estranho...
Não sou diferente!

Meu tempo, era outro, eu sei bem!
E vive comigo na forma mais terna...
de um amor profundo, sem tempo,
nas lembranças boas que os olhos guardam.

Sou de um tempo que tu não vistes,
Não conhecestes... e perdeste muito! Sabia?
Porque o tempo é água de sanga...
Onde se lava a alma, refresca os sentimentos,
Enxovalha as lembranças...
E mergulha nos sonhos que vivem na gente,
Largando na correnteza o que não serve,
O que atrapalha e o que nos faz sofrer!

Não me importo, ter-me chamado de velho!
Só fico triste em saber que, tu também,
poderá chegar lá um dia, quem sabe...
e dar-te-á por conta, o quanto é bom ser velho!
o quanto é lindo olhar para trás...
e ver o mundo que já passou...
e teus rastros sendo estrada para quem vem,
para quem tenta seguir teus passos!

Mas se isso não acontecer...
E tu não veres as pegadas que deixastes
Aí, lamenta-te, esbraveja-te...
- grita, sussurra, chora e clama...
Porque somente um "idiota" poderá
passar pela vida e não ser visto por ninguém!

Hoje, alguém me chamou de velho!
E é por isso que estou feliz!

Seria o tempo chegando ao seu final?!

Quando a vida desfalece com os sonhos,
E a insensatez bate palmas pelas ruas...
Vendo os campos morrendo nas estiagens,
Negra paisagem que entristece à luz da lua.

Quando a paz já não ronda os corações...
E a ganância dita as regras em seu mandado,
Os olhos choram com lágrimas entristecidas,
Diante da vida que sucumbe ao seu reinado.

Quando o banal toma a forma duradoura...
Ganhando valores e sem conteúdo moral,
Fazendo a pressa apressar o próprio tempo,
Seria o tempo...Chegando ao seu final?

Quando a busca inconstante do momentâneo,
E o ostracismo vem pairar diante dos meus,
Vejo senhores com promessas e vaidades,
Que na verdade se acham o próprio Deus!

E pelas palavras de frases mal escritas...
Sendo ditas como regras, em pergaminhos,
Com pregadores ostentados, na multidão...
E a solidão dos que andam sem caminho!

Ouvindo mentira nessas bocas “saburrosas”...
E línguas afiadas cuspindo a gotas do mal,
Seria o tempo pedindo tempo ao tempo,
Ou seria o tempo, chegando ao seu final?

Mãos abençoadas sujas de sangue e feto,
Pó e desgraça acabando com meu irmão,
Lâminas afiadas nas palavras da maldade,
E a honestidade sendo velada num caixão!

Vejo nos olhares execrando o pressuposto,
Como se a verdade não fosse uma só...
Discursos infames e com palavras descabidas,
Como se a vida acabasse ali no pó!

São tantas cruzes e espadas ainda erguidas...
Em pitoresco e malfadado cartão-postal,
Onde escravos enterraram os sentimentos,
Mas seria o tempo, chegando ao seu final?

Se o futuro é o próprio tempo que ainda virá...
E poucos sabem da sua verdadeira razão,
Talvez encontrem pelo peso de cada cruz,
A força da luz pra quem anda na escuridão.

E nas veredas dos sonhos que não morreram,
Ergam lares e não apenas casas de abrigo,
Para que ao tempo encontrem, nalgum futuro,
Não o escuro, mas o abraço de um amigo.

E na incerteza que inunda, mentes vazias,
Encontrem cura pra sua insanidade mental,
Seria o tempo cobrando o seu momento,
Ou seria o tempo chegando ao seu final?

Talvez nunca teremos essas respostas...
Ou precisaremos renascer em outro plano,
Para descobrir o que paira diante de nós...
Somos algoz do que fizemos pelos anos...

Matamos a vida por vaidade e insensatez,
Tragamos o pó na ambição de sermos mais...
Semeamos cruzes na dor da indiferença...
E criamos crenças de sermos as maiorais.

Somos perguntas, sem respostas, já escritas,
Tendo o passado e presente em seu ritual,
Somos culpados pelos choros e lamentos,

Seria o tempo...Chegando ao seu final!

Sentimento de Pátria e Verso!

Não sei viver nesse tempo,
Em que quase tudo é banal,
De que adianta eu ser universal,
Se não conheço minha aldeia,
E o tempo que nos rodeia...
Com a sua pressa infinita,
Não mostra o quanto é bonita,
O clarão de uma lua cheia.

Não se tem olhos pra vida...
Na simplicidade dos momentos,
Não se afloram sentimentos,
Que unem à força das mãos...
Não se busca mais o galpão,
Mate cevado, prosa de amigo,
Não se ouvem os mais antigos,
Tão pouco a voz do coração!

Não se fala mais em chasques,
Ronda de tropa, pastoreio...
Nem domingos, de rodeio,
Nem pencas e carreiradas,
Nem farranchos, nem madrugadas,
Tiro de laço e boleadeiras,
Nem da cherenga carneadeira,
Numa costela bem assada.

Não se fala em fogo grande,
Pipa de água, utensílios...
Nem prosa de Pai e filho,
Num convívio tão fraterno,
Não se falam dos invernos,
Da geada branqueando o pasto,
Nem da cantiga dos bastos,
Nem dum carinho paterno.

Não se fala em manotaços...
De um bocudo que se emborca,
“Torcendo o rabo da porca”,
Na sina de um domador...
Por uma patacuada de amor,
Sente o seu mundo em pedaço,
Sustentando um maula no braço,
Só com Deus de amadrinhador!

Não se ouvem mais ponteios,
De uma guitarra terrunha...
Gastando a ponta da unhas
Deste as prima até a bordona,
Nem o gaguejar da cordeona,
Num rancho de chão batido,
Onde um mulato, escondido,
Vai pacholeando a sua dona!

Não se tem mais entreveros,
Pelos bolichos, aos domingos,
Quando a garupa de um pingo,
Era trono pr’uma pinguancha,
Que chegava pedindo cancha,
Na mais terrunha linguagem,
E enfeitando estas paisagens,
Que a poeira não desmancha.

Não sei viver noutro tempo,
Que o tempo diz ser presente,
Pois o tempo que há na gente,
Guardado em forma de ataúde,
Nos pede para termos atitude...
Na mais singela compreensão,
Como quem lava o coração,
Na água morna de um açude.

Ou como quem mata a sede,
Na correnteza de uma sanga...
Depois que a chuva em manga,
Lavou a encosta dos cerros...
Enquanto um casal de “perros”,
Entoca uma mão pelada...
Mostrando que numa caçada,
Os bichos, também, cometem erros.

É assim que a vida se mostra,
E é assim que o tempo se faz,
Se não podemos voltar atrás...
Pra escrever uma nova história,
Talvez os tempos de glória...
Na bendição de algum livro,
Ainda possa permanecer vivo,
No âmago de cada memória.
  
Não sei viver nesse tempo!
Que querem me fazer universal,
Se meu sentimento é regional,
E aqui plantei a minha raiz...
Se é o tempo mesmo que diz,
Nestes anseios que eu trago,
Tendo o pingo, a china e o pago,
É o que me basta para ser feliz!

Se, acaso um dia eu morrer!

Se, acaso um dia eu morrer,
que seja de felicidade,
pois ela me foi companhia
por toda uma vida.

Se, acaso um dia eu morrer,
que seja de sorrir...
pois o sorriso me foi presente,
até na hora da despedida!

Se acaso um dia eu morrer,
que eu não morra só,
não quero tristeza, nem dó,
não quero lágrima, nem dor,
Só quero a forma do amor...
De um corpo que volta ao pó!

Mas que não morram os sonhos,
Que não morram os sorrisos...
Pois chorar não é preciso,
É apenas um corpo sem vida,
Mas fica ao tempo uma história,
Ficam lembranças, a memória...
Para nunca ser esquecida.

Se acaso um dia eu morrer,
(coisa que não acredito),
Certamente ficarão escritos,
Para alguém nunca esquecer,
Nos poemas que irão ler,
Talvez, não sejam assim...
Haverá algum que fale de mim,
Haverão muitos que falem de ti,
Pois todos os versos que escrevi,
Foi por um amor que não tem fim!

Se acaso um dia eu morrer,
Num desses acasos da morte,
Quem sabe eu tenha a sorte,
De novamente te encontrar,
Pois quem nasceu para te amar,
E teve, numa vida terrena...
A parte injusta da cena,
Que roubou tempo, espaço,
Quando estou em teus braços,
Morro pra o mundo, morena!

Saudade de Mãe!

Saudade de Mãe...
É dor sem medida,
É a sangrenta ferida,
Que o tempo não cura,
É a lâmina mais dura,
Cravada no peito...
Que nos pega de jeito,
Na profundeza da alma,
E se rasga na calma...
Da hora em que deito.

Saudade de Mãe...
É lembrança com dor,
É a ausência do amor...
Dos braços mais ternos,
É o frio dos invernos,
É fruto e semente...
É a magia do ventre,
De uma vida gerada,
Doce forma, abençoada.
Que deu vida pra gente.

Saudade de Mãe...
É saudade derradeira,
Ta no café de chaleira,
Ta no fogão de lenha,
Na flor que se desenha,
Na casinha de capim...
No cheiro do jasmim,
Nas panelas enegrecidas,
É adeus, sem despedida,
É a vida que falta à mim!

Saudade de Mãe...
Vem na rapa da polenta,
No gole da água benta,
Na hora da Ave Maria,
No silêncio do fim do dia,
Num olhar terno a sorrir,
No doar, no repartir...
No gesto simples das mãos,
Na fé que vem da oração,
No beijo antes de dormir.

Saudade de Mãe...
É fenda profunda,
É rio que se inunda,
Transbordando do leito,
É o espaço estreito...
Entre o amor e a razão,
É o valor do perdão,
Que ao tempo se rende...
Amor que se aprende,
Na simplicidade do não.

Saudade de Mãe...
É adaga afiada,
É frio de madrugada,
De sonhos e incertezas,
É o pão sobre a mesa,
Na força do alimento,
São golpes do vento,
Quando a chuva maltrata,
É a angústia que mata,
De dor e sofrimento.

Saudade de Mãe...
É água profunda...
É lágrima que inunda
os sulcos do rosto...
Alegrias de um posto
que junto dos seus...
Belo tempo, escreveu,
na perseverança da fé,
A magia de ser mulher...
Na bênção pura de Deus!

Saudade de Mãe...
É amargura de vinho,
Estrada sem caminho,
É Jardim sem flor...
É o mundo sem cor,
Nos olhos da gente,
Futuro sem presente,
Sem paz, desilusão...
Olhar sem perdão,
Sorriso carente!

Saudade de Mãe...
É a pior das saudades,
Chega ser crueldade,
Da gente sentir,
Se eu pudesse pedir,
Voltaria no tempo,
Para ter um momento,
Um instante qualquer,
Jogar-me-ia à seus pés.
Pra sufocar o sentimento.

Saudade de Mãe...
Queria não ter,
Se pudesse escolher,
Pediria ao Senhor!
Que me tirasse essa dor,
E fizesse-me compreender,
Como pode um ser...
Partir tão de repente,
Deixando um vazio na gente,
Saudade de Mãe...é morrer!

Romance do Negro Juca!

Fim de tarde mormacento...
Sangrando nuvens cardadas,
E junto a uma cruz, cravada,
Eu me ajoelho em oração...
Momento triste, na solidão,
Rodeado de mato e mutuca,
Onde o corpo do Negro Juca,
Descansa à sete palmos, no chão.

Na cruz falquejada às pressas,
Não tem data e nem nome...
Mas o certo é que jaz um homem,
Quem tinha muito valor...
Que carregou o peso da cor,
De ser negro, preto, retinto...
Quando a sorte vem no instinto,
Mata e morre por amor.

Lembro quando chegou na estância,
Àquele piazote esmirrado...
No fio do lombo dum tostado,
Que mal trocava o passo...
Tão grande era o cansaço,
Daquelas duas criaturas,
Dois vultos na noite escura,
Dois corpos num só espaço.

Chegou, e por ali foi ficando...
Era o mandalete da estância,
Negrito bueno, de confiança,
Tinha destreza e aprumo...
Apelidado de “pau de fumo”
Não se importava com os risos,
Encontrava em fim, o paraíso,
Encontrava em fim, o seu rumo.

Encantou-se com a criançada,
E até brincava com elas...
Sinha Flor menina bela...
Linda como outros tantos,
Tinha um sorriso de encanto,
Olhos dolentes e meigos...
Pareciam encantar-se com o negro,
E a triste regra dos brancos.

O Estancieiro diversas vezes,
Veio ralhar com o negrinho,
Que ficava por lá sozinho,
Olhando as outras crianças,
Sabia manter a distância,
Que separa os desiguais...
Pois tempo nunca é demais,
Pra quem não perde a esperança.

E assim o negrito, cresceu...
Em poucos anos, se fez moço,
E já se escorava no alvoroço,
Terceando o ferro branco,
Bueno de lida e no campo...
Deixou de ser mandalete,
Fez-se o melhor dos ginetes,
Honesto, firme e franco.

No ponteio de uma tropa...
Ou cuidando a cavalhada,
Despontava a madrugada,
Coplando versos ao vento,
Tinha agruras no pensamento,
Guardando a dor da distância,
A parte negra de uma infância,
Que chuleava um sentimento.

Negro Juca se fez homem...
E ganhou o respeito da peonada,
Era a pura estampa moldada,
Em quase dois metros de altura,
Negro, como a noite escura,
Forte, valente e peleador,
Que tinha um orgulho da cor,
Na mais robusta figura.

Um chapéu de aba grande...
Beijando a gola de um pala,
Uma barba preta e rala,
Redesenhando o seu rosto,
Onde o vermelho exposto,
De um lencito maragato,
Pintava um xucro retrato,
Na fria noite de agosto.

Pois é desta noite que falo,
De uma história mal contada,
Onde até os contos de fadas...
Perdem-se em nuances de cor,
Negro Juca e Sinha Flôr
Tinham um romance escondido,
Sem nunca terem percebidos,
O preço alto de um amor.

Ninguém sabia na estância,
Nem tão pouco imaginava,
Que a moça branca amava,
Àquele Negro retinto...
São essas coisas do destino,
Que o tempo jamais explica,
Porque que uma moça rica,
Vai se encantar c’um teatino.

O pior de tudo, que a moça,
Filha única do estancieiro,
Tapada de joia e dinheiro...
Não soube esconder o segredo...
E nos braços fortes, do Negro,
Se rebuscava de um calor...
E entregava-se ao amor,
Sem pressa, sem juízo, sem medo.

O catre quente de um galpão,
Por entre trastes e encilhas,
Viu-se a noite tordilha,
Acolher a voz de um trovão,
Quando o fogo dum mosquetão,
Abriu um clarão no céu...
E a parte negra de um véu,
Ecoou em gritos, de não.

Mas a distância era curta...
Entre o Negro e o atirador,
E ainda sentido o calor,
De um amor que não apaga,
Com a memória meio vaga,
Talvez a morte que mande,
Viu um corpo golfando sangue,
Bem sobre o “s” da adaga.

Assim dois corpos tombaram,
Na mesma morte que chega,
É a parte cruel e negra...
De quem só queria amor,
E a moça envolta ao pavor,
Clamando à gritos de solta,
Chamando os dois de volta;
Guasqueando os golpes da dor.

De nada adiantara os gritos,
De nada adiantou o pranto,
Se o amor de preto e branco,
O mundo injusto condena,
Pra sempre carregar às penas,
Da solidão de quem fica,
Puxou o gatilho, a moça rica,
Para completar esta cena.

Hoje o Velho, num mausoléu...
Descansa no fogo do inferno,
Sem saber que o amor é eterno,
E a morte não justifica,
Negro Juca e a moça rica...
Embora os olhos não alcancem,
Seguiram com seu romance,

Da triste história que fica.