quarta-feira, 31 de maio de 2023

QUANDO O SONO SE CANSOU DE MIM!

 

Noite encardida, 
madrugada grande, 
frio de inverno...
O silencio castiga com seus olhos de saudade
E as lembranças chicoteiam o pensamento 
pelas horas infindas, carcomidas do tempo.

La fora o vento soluça...
Aqui dentro o silencio castiga.

O negrume da noite, 
vestida em seu luto funeral, 
traz os fantasmas do tempo 
e as horas padecem num relógio desacordado.

Meu corpo judiado, 
sofre as dores do punhal dos anos...
E os ossos estalam num catre proscrito
adonde campeio o meu sono.

Por vezes um grilo afina sua rebeca, 
com cordas de arame, 
mas o silencio proclama o seu toque final.
Almas se encontram para prosear em silencio, 
mas falando de mim...
Pensamentos vagueiam numa viagem sem tempo 
e encontra a saudade vestida de um lume cideral...
Imagens desenham, as ideias mais tolas, para enfeitar as retinas...
Olhos atentos...
negrume de noite...
o sono se foi!

Nas paredes bordadas, 
pela tinta polida que a noite pintou, 
uma restea de lua alumia o vazio...
Um bocejo do vento balança as casuarinas 
com folhas e galhos... 
grama e capim... 
plumas e palmas...
e uma coruja reclama a ausência de vida,
pra uma prosa afinal.

O campo dorme...
...as almas do campo dormem...
fundo de estância longe dos meus,
procuro sono que se cansou de mim, 
acordou e partiu!

Na metamorfose da vida, 
que transforma sonho em saudade, 
o sono é mais um andarilho buscando um tempo pra si...
e na solidão dos meus dias, 
me deixa perdido nas lembranças 
e vai se encontrar nas paragens de almas andantes, 
de estradas antigas, 
de poemas escritos nos pergaminhos das noites, 
de versos ditos por ventos errantes, 
por sangas e corredeiras 
que cantam seu canto nalgum fundo de mim.

Pois assim somos nós,
 andarilhos do tempo, 
caminhantes da vida, 
sonhadores do mundo 
que adormecem aos poucos 
para casear a poesia.
Noite esquisita...
madrugada grande...
acordam as barras do dia.

Aos poucos a vida grita ao silencio 
e cutuca as horas para começar tudo novamente.

O grilo emudece...
a coruja adormece...
o vento reclama...
o sono retorna...
mas os punhais da idade
 me picaneia o lombo 
e já me bota de pé 
para uma cevadura de mate.

Fundo de campo...
a lida começa para almas viventes.

É!... 
Hoje o sono se cansou de mim 
...e não quis voltar!

Com que direito!

 

Com que direito...
Tu me condenas?
Tu me critica?
Se tua boca fede,
Se teu hálito fede,
Com palavras proferidas.
Do teu cérebro sujo...
Lama imunda que inunda
A liberdade das letras.

Com que direito...
Escarra tua ira nojenta,
Através de verbos e sujeitos,
Predicados e advérbios...
Metáforas desfeitas na
Ilusão das frases...
Sujeito inculto...
Inculto e curto...
Curto e em surto...
Maledicência pessoal,
Imoral, irracional e tal!

Com que direito...
Sujeito sem jeito...
Já viu teus defeitos?
O teu preconceito?
Mente nefasta...
Mentira já gasta,
Do posto à pasta,
Pra mim já basta!

Tranquilo me deito,
No calor do meu leito,
Onde ganho respeito...
O que é meu por direito,
Carrego no peito...
Sou verbo à preceito,
E tu é apenas um “rejeito” ...
Com que direito, sujeito?

Extraviei o verso pra ela!

 


Já extraviei algum verso,
Na sesmaria dos campos,
No lume dos pirilampos...
Que se vestiam de estrelas,
Dessas que são sinuelas,
Para os tauras madrugueiros,
Vivendo o mundo campeiro...
Na prosa das pontessuelas.
Também já extraviei verso,
Quando um bocudo s’emborca,
“e torce o rabo da porca”...
Num socadão de rodeio,
Já salta vendendo arreio,
Com sofrenaços e berros,
Sentindo o golpe dos ferros,
Benzido a cabo de reio.
Não tive a benção divina,
Nem a pretensão de tantos,
Faço meu mundo no campo,
Por essas madrugadas frias,
Repontando a rebeldia...
De ventenas e culmilhudos,
Por certo não tive estudo...
Mas me encanto co’a poesia.
Um dia desses “cebrunos”,
Que a gente anda disperso,
Tenteei a fazer uns versos,
Desses que falam de amor,
Para entregar a uma flor...
A mais linda desse rincão,
Que mora, depois do lagoão,
Bem na volta do corredor.
Rascunhei de todo agrado,
Botando as letras na forma...
Sem conceito e sem norma,
No silêncio do meu galpão...
Judiando o calo das mãos,
Aos poucos foi se ajeitando,
E um versito, “acuierando”
Com as rimas do coração.
Depois do verso pronto...
Dobrado, assim, à preceito,
Larguei ele junto ao peito...
Num Paiñuelo maragato,
Vesti uma pilcha, pra retrato,
Encilhei um picaço patas brancas,
Desses de graxa na anca...
Um regalo de Dom Mulato.
Peguei o corredor da frente,
Assobiando uma coplita mansa,
E o picaço, uma balança...
Mordendo as campas do freio,
Cantarolando, aos arreios...
E duas chilenas de prata,
Que iam fazendo serenatas,
De versos, quebrado ao meio.
O sol ia dando as caras...
Bem de trás de um coxilhão,
E o picaço, ainda redomão,
Não vinha gostando da cantilena,
Mas a saudade da morena...
Pra entregar os versos pra ela,
Repontava-me ao rancho dela,
Na mais terrunha, das cenas.
Fui tentear cruzar o passo,
Mas o picaço refugou...
E de pronto já se armou,
Arcou o lombo pra uma tora,
Mas um taura não se apavora,
Embora seja curto o espaço,
Quem tem um mango no braço,
E o aço forte da espora.
Meti os encontros do maula,
Levando tudo de arrasto...
Com água na aba do basto,
E a força da natureza...
Meu mundo de incerteza,
Era mais que um desafio...
Quando o verso caiu no rio,
E se sumiu na correnteza.
É triste a vida de um taura,
Que sabe pouco das letras,
Nem ao tranco se endireita,
Co’s sentimentos guardados,
Que vivem aquerenciados...
Entre o rancho e a cancela,
Mas guardei o verso pra ela,
Num coração, mal domado.
Talvez um dia lhe entregue,
Numa noite de lua branca...
Sentado junto à barranca,
Bem ali ao cruzar, o passo,
Em que juntarei os pedaços,
Num romance caminhador,
Quando te jurarei amor...
Na anca do meu Picaço.

Pra quem tem alma e coração!

 


Somos fruto da mesma semente,
Germinando em terra forte…
Uns já nascem com a sorte,
Outros ganham ali na frente,
Talvez seja o grande presente,
Que não se leva na partida…
Essa herança pré concebida,
De amar, de amor e de razão,
De quem se eleva no perdão,
Todos os sentidos da vida.
Ninguém é melhor que ninguém,
E isso é um conceito Divino…
Nem nasce grosso ou fino…
E todos sabem porque vêem,
E trazem consigo, também…
Os seus anjinhos protetores,
São cuidadosos, zeladores,
Da gente, enquanto criança,
Dando-nos a fé e a esperança,
Para aprendermos, valores.
Depois, seguimos os passos,
Sempre levados pela mão…
Guardando amor no coração,
Acolhendo em cada abraço,
Conhecendo o tenro espaço,
Entre a mentira e a verdade,
Entre o carinho e a dignidade,
O valor de uma palavra dita…
E essa esperança bendita,
Nos desígnios da igualdade.
Aprendemos, desde cedo,
(Pelo menos seria o correto)
Que ninguém é tão analfabeto,
Embora com os seus medos…
Que não tenha algum segredo,
Em que possa nos ensinar…
E conjugue o verbo amar,
Na sua forma mais singela,
Por saber que a vida é bela,
Pra quem sabe compartilhar.
Nesta caminhada terrena…
Chegamos aqui sem nada,
Uma leve alma replantada,
Numa matéria ainda pequena,
Teatro que a vida encena…
Livro em branco sendo escrito,
Arte de um quadro bonito…
Que com o tempo aperfeiçoa,
Quando o valor da pessoa…
Não se perde ao mundo proscrito.
Todos somos regados à luz,
Luz de um amor tão intenso,
Julgados na fé e o bom censo…
Do amor que a todos conduz,
Sementeiro na mão de Jesus,
Batizados na mesma unção…
Pela força imposta às mãos,
Num passe que a vida requer,
Para nos mantermos em pé…
Na esperança que vem da oração.
Crescemos pra sermos caminho,
Estrada pr'outros virem atrás…
Sempre em busca da paz…
Quem não sabe viver sozinho,
Em cada abraço de carinho...
Em cada mão estendida…
Em cada palavra proferida,
Como bálsamos curando a dor,
Orvalha-se em chuvas de amor,
Esperança de uma nova vida.
Que nunca morra a verdade,
Nem as palavras de Deus…
Que encontre junto dos teus,
Os sentimentos de lealdade…
Pois nascemos sem maldade,
Sem preconceito, xenofobia...
Sem racismo, sem a mania,
Dessa grandeza irracional…
Que na vida só nos faz mal,
E estraga o ser a cada dia.
Que o teu amor seja o elo…
Desta corrente fraterna,
Sabendo que a vida é eterna,
Haverá tempo de dor e flagelo,
Mas o mundo continuará belo,
Para que tem alma para ver…
E por certo que vais conhecer,
Um céu - um limbo - as trevas,
Pois daqui de nada se leva…
No dia em que o corpo morrer.

Lá no quinto distrito!

 

A vida oferta o mundo...
para quem nasceu andarilho!

A casinha de tábuas velhas,
encostada à mangueira de pedra,
ali, de frente para o corredor;
O açude e o poço de balde...
o galpão de santa-fé, caído,
a ramada de folhas secas...
tudo isso foi parte da minha infância!

Meu Pai, chegando ao tranquito,
o lobuno suado, o olhar cansado,
e uma junta de bois mansos...
ao rangindo da cantadeira;
Mais uma semana na estrada,
levando quitanda ao povo,
quem sabe volte de novo,
felizes da sua chegada!

Assim foi por muito tempo,
no velho rincão quintiano,
a algazarra da gurizada,
que chegavam na escolinha;
As carreiras de piás arteiros,
as “luitas” e jogos de bola...
As histórias mal contadas,
por quem não ia estudar!

Dizem que d'outro lado da sanga,
no ranchinho da tia Negra...
uma das “guria” enlouqueceu,
que anda por aí pelos matos,
vivendo que nem cuatiara...
se alguém ver, que dispara,
e se esconde nas bibocas.
A seca grande que ronda o pasto,
a água escassa pra os bichos...
as ressolanas de janeiro,
anda atormentando os gringos.

Perderam a roça de feijão...
o milho não dá nem pro gasto,
o gado não tem mais pasto...
e está feia a situação!

Só tem água na cacimba...
e um pouco na Sanga da Joana,
se não chover essa semana,
não sei o que vai ser dessa gente,
mas a esperança não falha...
As orações da tia Daia, da tia Negra,
do velho João, da dona Margarida,
do Miguelão, sei que a fé se remoça,
e logo virão as poças...e vida nova no rincão!

Dizem que vai ter carreirada,
no bolicho do compadre Chico,
parece quem vem os milicos...
o intendente e um delegado,
por que da última algazarra,
meteram banca, fizeram farra,
talvez até por desacato...
coisas que não se explica,
deram um balaço na tia Julica,
e furou o bico do sapato!

Como eu fui feliz nesse lugar!
Hoje quando me lembro...
o rincão que minha alma habita,
me vem imagens e são tantas...
enxovalhando duas poças d’água,
cacimbas que jamais secam...
orvalhadas pelos serenos...
das noites junto à casa velha!

A vida nos oferta um mundo,
para quem nasceu andarilho!
Mas a felicidade se distancia,
cada vez que caseamos panos,
(tecidos de uma era antiga)...
onde plantamos nossos sonhos,
vergados em terra fértil...
que não se esquece, jamais!

Tudo o que ganhei do mundo;
Tudo que conquistei na vida...
por certo tem o seu valor,
mas jamais se compara ao amor,
- Amor da terra da gente;
- Amor que se faz presente,
em cada verso bonito...
desses que já vem escrito,
nos pergaminhos de um coração,
Nada se compara ao meu rincão,
aquele lá, do quinto distrito!

OS NOMES USADOS SÃO FICÇÃO, NINGUÉM QUE FOI CITADO, EXISTIU DE VERDADE, PARA OS OUTROS!




No Mar da Poesia!

No mar da poesia, eu me jogo...
Qual um barco errante à navegar,
Atravessando na solidão do mar...
...na dor do amor quase me afogo.

Águas turbulentas e cheias no olhar,
Ao céu de estrelas que tanto rogo,
E pedem em silêncio que volte logo,
Ao porto dum verso, possa ancorar.

Lua cristalina tem o seu esplendor,
Teias tecidas nas redes em louvor...
...jogados ao mar de um coração.

Sonho sofrido de um eu, pescador,
Recolhe as redes, cheias de amor,
No mar da poesia da minha ilusão.

Maria Louca, não era louca!

Maria Louca, não era louca…
Ela era apenas diferente...
Tinha um sorriso inocente,
Olhos grandes, marejados,
E um caminhar apressado…
Corpo de pequena estatura,
E a alma branca em candura…
Com lampejos, amargurados.

Maria Louca, não era louca...
Era apenas mais uma Maria.
Dessas, que vagam de dia…
E à noite encontram-se com Deus,
Nunca soubera o que é seu…
Por não se apegar à matéria,
Preferiu os preceitos da miséria,
No mundo que ela escolheu.

Andara por tantos caminhos,
Alheia aos olhos de tantos…
Sufocando as dores e o pranto,
Na triste sina dos andejos…
Dos que nunca tiveram desejos,
Nem o mundo por facilidade…
Sucumbindo ao tempo, a idade,
De um destino malfazejo.

Mas, Maria, já fora criança…
Já tivera sonhos e bonecas,
Já fora uma menina sapeca,
Quais tantas outras meninas,
Sem saber que a sua sina…
Um dia a mudaria de rumo,
Tirando sua vida do prumo,
Pelo vazio das esquinas.

Perdera a Mãe muito cedo,
Do Pai, nem sabia o nome…
Vivera à beira da fome…
Vagando pelos orfanatos,
Conhecendo tristes relatos,
De tantas outras Marias…
Que tinham almas vazias,
E a dor de um mundo ingrato.

Crescera vagando sem rumo,
Roubando para matar a fome,
Objeto de uso dos homens…
Que usavam sua carne fria,
Em fogosas noites de orgias,
Em troca de alguns minguados,
Deitou-se a alma em pecados,
Para matar a fome, Maria.

Viveu a mais chula paixão,
Na sina das condenadas…
Que amam e não são amadas,
...e sofrem com a sua dor…
Que vivem o intenso amor,
Na lâmina fria da pena…
Sofrendo a dor da condena,
De quem nunca lhe deu valor!

A moça de corpo esguio…
Que foi ficando envelhecido,
Não haviam mais preteridos,
Não haviam mais os clamores,
Os corpos perdem valores...
Com a idade que chega inata,
E a vida outra vez, maltrata…
Neste mundo dos desamores.

Maria Louca, não era louca,
Ela escolhera viver assim…
Só esperava chegar ao fim,
A vida e seus desenganos…
Cansada de passar os anos,
Alheia, suja e mal falada,
Já não esperava mais nada,
De quem se diz ser, humano!

Um dia, morreu sozinha,
Tão sozinha como vivera,
Cansada de tantas rasteiras,
Deste mundo de preconceitos,
Que talvez não dera o direito…
E uma vida, por certo, foi pouca,
Pra Maria, que nunca foi louca,
E só era feliz, do seu jeito!