sábado, 16 de setembro de 2017

Meu Jeito

Sé é esta boina basca...
Ou é a bombacha Pampeana,
Se é minha alma aragana,
Que pulsa dentro do peito,
Se é este o meu defeito,
De andar sempre pilchado...
Com um lencito esparramado,
Sobre a gola da camisa,
Se é por não conhecer divisa...
Então, qu´eu seja condenado!

Se esta guaiaca que uso...
Não tem ouro e nem prata,
E um simples par de alpargatas
Com cinzas d’algum galpão,
Se a verdadeira tradição,
Tem regras pra sobrevivência...
Então, eu tenho a consciência,
Que a coisa está indo mal!...
Me desculpe, “os maioral”,
Mas não me apego as conveniências.

É muito bom, fazer leis...
E ditar regras pra esta gente!
Desfazer do que é presente,
Gritar as glórias do passado,
E lá num gabinete, encostado...
Na sombra de um movimento,
Que só mantém o sustento,
Graças às migalhas do povo...
Que não se importam com o novo,
Pois vivem do sentimento.

Pois um gaúcho não se mede,
Por aquilo que ele usa...
Conheço gente que abusa,
Fazendo do cargo, um poder,
Muitas vezes, sem conhecer,
Os sentimentos verdadeiros...
Parece um cabide campeiro,
Cheio de trastes e utensílios,
A própria vergonha dos filhos,
Mas com pose de estancieiro.
  
Me perdoem, meus Patrícios!
Se o meu pensar é diferente...
Mas não é a pilcha da gente,
Nem a estampa, nem as cores,
Me perdoem, meus Senhores!
O que vou falar de uma vez,
Eu não nasci, pra ser rês,
E nem tão pouco usar canga...
Mas até pelado, numa sanga,
Sou mais gaúcho que vocês.

Porque aqui, aonde eu vivo...
E lutamos para ser liberto...
O único movimento certo,
Que hoje é quase uma graça,
É ver tanta gente na praça,
Fazendo tudo ao contrário...
Vergonha do chão caudatário,
Alheio às leis, que eu falo,
Dos que só conhecem cavalo,
Nas folhas dos calendários.

Se um dia alguém escreveu.,
Regrando a própria pesquisa,
Mas pra’o Gaúcho não há divisa,
Não há cerca, nem fronteira,
Não é o pano dessa bandeira,
Que tremula em mastro de ouro,
Aonde a empáfia faz coro...
E a pilcha virou concurso,
Só para manter o discurso,
Dos que rebuscam seus “louros”.

Dizem que é castelhana,
Esta bombacha que uso...
Mas, ninguém vê o  abuso,
Dos que andam bem pilchados,
Desfilando de chapéu tapeado,
Como os donos da verdade...
Só pra manter uma identidade,
Timbrada à grito e grossura,
Como se educação e cultura,
Não coubessem em sociedade.
  
Pois o tempo do coronelado,
Da imposição e do poder...
Do mandar sem conhecer,
São coisas do passado,
Que um dia foi enterrado,
A sete palmos, neste chão...
Pois, hoje, não há razão,
Pra ditar normas e regras,
De uma cultura que é cega,
E valoriza só quem é Patrão.

O velho vestido de xita...
Que era tão lindo nas prendas,
A flor de laranjeira, as rendas,
Foram trocados por veludo,
Talvez para avalizar estudos,
D’alguma pesquisa fajuta...
Dos que se vangloriam das lutas,
Sem conhecer a verdade,
Regrando a própria sociedade,
No interesse que desfruta;

Quando um cargo vira emprego,
Dos que tem gana de aparecer,
E a valorização de um ser,
Está naquilo que se usa...
Quando o interesse se cruza,
Com a arrogância e a maldade,
As regras escondem verdades,
Que chega, até, ser abuso,
Onde um Negro era escuso,
De viver em sociedade.

Pois a tradição está na alma,
É parte da vida da gente...
Está no amor que se sente,
Fincado dentro do peito,
Está no errado, no direito,
No que pensa e não nega...
Está no campo, na macega,
No sentimento e na arte,
Tradição está em toda parte,

Só nunca...nunca aceitará regra!

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Silencio e dor de um excluido!

O agosto vai de longe matraqueando o tempo,
...pingando lágrimas carcomidas nos santa-fés;
Pelas frestas do rancho, passam résteas de solidão,
E um angico chorão finda a sua vida de lamentos,
...por entre as sedas e o bailado das lavaredas...
...que dançam para o luzeiros dos meus olhos.

Na frente do rancho, mais além da cacimba...
Os juncais se escondem na fumaça do lagoão,
E um socó lustra suas penas, na penúria das esperas,
...tendo o céu, tão distante entre as nuvens de algodão.

O que me restou neste fundo?
Todos partiram como aves migratórias, que precisam dos janeiros,
para a sua própria procriação...
e levam olhos de esperança, de um outro verão!

Eu, que me fiz campeiro, no lombo dos ventenas,
Arrastando nazarenas encharcadas de sereno...
Repontava madrugadas grandes à pata de cavalo,
Só por gostar do embalo de um par de olhos morenos.

Eu, que ví a forma do pampa sem cercas, nem aramados,
Sangas rasas cantando versos na costa dos paredões...
E amanhecia pelas tafonas ou rondando tropas inteiras,
Gastando horas ligeiras, enriquecendo os patrões.

Eu, que gastei a palavra para sempre horar o meu nome,
...e muitas vezes peleei por não acreditarem nela,
Vi pelas estâncias, de casas antigas e Homens de bem,
Sucumbirem a um progresso que vai trancando as cancelas.

O que me restou nesse fundo de posto?
Horas esguias, peleando sem armas na mão...
Sofrenando as lembranças que entordilharam meu rosto,
Findando em saudades por me apegar a este chão!

Ali do outro lado da canhada, depois do salso chorão...
Havia uma restinga de águas andarilhas...
...que desciam da coxilha em serpenteio as pedras,
E deslizava como aves migratórias num céu azul,
Apontando o rumo do sul, para desembocar no lagoão.

Ali, na costa do mato, onde as casuarinas deixam sombras,
para a toca das mulitas...
e as garças chegam, vestidas de noivas,
para uma espera matutina;
Bem ali, entre o lajeado e a serrilhada,
Que um picaço de boca atada,
estranhou a cantiga dos ferros,
E a força desses maulas, num redeio,
Fez estrago nos arreios....
...e na vida de um Mulato,
que deixou no frio de um retrato,
lembranças para serem eternas.

Então me pergunto?
- O que me restou deste tempo?
- O que deixaram pra mim...
...silencio de sóis em luas?
...cambonas amargas de solidão?
Resto de um pampa antigo,
Rasgado a lâminas e aço...
Basteira de campo infértil,
Que só mata a fome dos donos,
Sem gado...sem tropa...sem vida.

Agulhas de picanas a cravar-me os olhos,
Onde transbordam sangas que morrem...
...ao perceber o meu fim,
Enquanto roncam as máquinas do tempo,
Levando os sonhos de tantos quais à mim!

Venenos e pesticidas!
Riquezas e progresso!
Tulhas cheias na burra os donos...
...campeiros pobres a morrer de fome,
vendo a terra se rasgar de dor...
pressa doida à apartar os Homens,
que vagam silentes...
de dorso curvado...
de olhos marcados...
e bastos nas costas...
como tropa ao reponte,
penando na dor do mango,
 na poeira de um corredor!

A Santa que eu tinha!


A Santa que eu tinha era outra...
...nos meus tempos de menino!

Pés descalços e calça arremangada,
Descia as alamedas empoeiradas,
Vendo ao longe o contorno nos cerros,
Ali junto a vilinha que se erguia...
Casas novas que pareciam antigas,
Casas antigas com seu jeito novo.

Na beira dos caminhos e rastros das tropas,
Os solavanco das rodas empoeiravam os meus sonhos,
- Quando arteiro subia nas figueiras velhas,
Para ver lá ao longe, nas janelas grandes...
...moças donzelas, em penteados lustrosos,
e sorrisos de dentes brancos.

Não sei porque vivi nesse tempo?
Tempo em que os Homens de panamás brancos,
...e a estica de seus ternos riscados...
se confundiam na multidão, das festas da Matriz
O Padre com seu semblante teso e voz cantada...
As viúvas com “encharpes” negros,
...vestidas de um luto que só o funeral enterra.

As missas dos domingos não terminavam mais!
O Padre nos olhava como se fossemos pecadores,
...e éramos... e ainda somos!
Meus pés pequenos ficavam menores ainda...
...num sapato preto, que meu tio usava.
A calção com tirante...a camisa engomada...
que depois da missa não via a hora de sair do prumo.

As alamedas floridas que iam até a estação.
A rua do acampamento dos tropeiros...
As águas limpas que desciam dos cerros,
...e afogavam a garganta, aquela sem o nome de Deus!

O ronco dos motores e suas buzinas roucas...
Mascates e andarilhos a ofertar seus bens...
O brique do Saldanha e enfeitar a praça...
Onde vendia-se de tudo, até o que não se tem!

A Santa que eu tinha era outra...
...nos meus tempos de menino!

Lá se foram os meus anos...
...que a calmaria do tempo roubou de mim!
Mas os olhos da saudade, que só se fecham depois da morte,
...ainda trazem suas gotas remelentas...
...castigando, na verdade, por me ver chegar ao fim!

Por que será que aquela Santa...
- que ganhou o nome de Maria, por ser tão bela,
Me deixou envelhecer para e sofrer assim...
...e me faz viver penando, com ausência dela?

E hoje, quando busco as alamedas empoeiradas,
As casas antigas com suas janelas grandes...
As moças donzelas, cabelos lustrosos e dentes brancos,
O ronco dos motores das lambretas novas,
Nada encontro... nada tenho... nada vejo!

Só tenho os olhos esbugalhados...
 nas folhas amarelas, dos retratos antigos,
que ninguém quer ver...
E ainda guardo o velho terno, de linho riscado...
Um chapéu panamá, empoeirado,
Um coração, que, por solito e magoado.
Só está esperando o meu chamado,
Pra quem um dia...
...alguém, quem sabe...
...possa lembrar de mim!